O dia 17 de abril de 2016 foi um domingo bastante incomum na história do país: milhares de famílias brasileiras postaram-se diante da televisão não para assistir a programas de entretenimento e filmes, mas à Câmara dos Deputados — que votava a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Naquele dia, a audiência da TV Câmara aumentou 4.222%, tornando-se o décimo mais visto da grade, segundo a Kantar Ibope Media. Foi o primeiro contato de muitos brasileiros com os nossos deputados, sobretudo da parcela mais jovem da população. Mas qual o possível impacto desse contato na relação dos jovens brasileiros com o sistema partidário? Até abril deste ano, jovens entre 16 e 18 anos representavam apenas 0,89% do eleitoral total — um número bastante baixo se comparado com 1992, quando eleitores menores de idade representavam 3,57% da massa total. Para entender essa relação conturbada da juventude com as urnas, conversamos com o cientista político Jairo Nicolau, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Afinal, há de fato um desinteresse do jovem pela política tradicional? A crise econômica e institucional pode gerar uma maior preocupação com o voto? Quais os obstáculos?
[Foto: Marri Nogueira/Agência Senado]
Eu acho que um bom termômetro é o volume de jovens de 16, 17 anos — para quem o voto é facultativo — que tem título de eleitor. Assim que esse direito foi concedido, na Constituição de 1988, era muito grande o percentual de jovens que se inscreveram para tirar o título [em 1992, eles compunham 3,57% do eleitorado total, comparados com 0,89% em abril de 2016]. O TSE ainda não liberou os números referentes a maio deste ano, depois do último dia de registro [4/5], mas esse dado seria interessante para saber se a politização do país nos últimos meses teve alguma influência sobre a decisão de meninos e meninas tirarem o título e se envolverem mais diretamente em política eleitoral. Até pouco tempo atrás, o que havia era um declínio no percentual de jovens inscritos a cada eleição. Na última eleição [em 2014], os eleitores com menos de 18 anos haviam diminuído em mais de 60%. Eu convivo com jovens, sou professor e vejo claramente que hoje é pequeno o interesse pela vida partidária. Esses jovens gostam de política, de movimentos sociais, mas a vida partidária, a rotina — ela não é atraente. Mas acredito que a crise vá ter um efeito sobre a sociedade brasileira. A minha expectativa é que seja um efeito positivo, eu realmente acredito nisto: pessoas mais interessadas e cuidadosas com seus votos, mais animadas para entrar na política.
A política é algo que depende da interação da vida. Não se pode criar incentivos explícitos: “Agora vamos fazer isto aqui para que os jovens participem da política.” Essa seria uma consequência do contexto político brasileiro. Nos anos 1960, houve as manifestações estudantis; em 2013 vimos também um movimento juvenil muito bacana por conta da crise. Agora, eu realmente não sei se há como fazer isso de maneira formal, com campanhas etc. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) faz todo ano campanha pela inscrição de jovens, mas isso não necessariamente tem um impacto significativo. Também não vejo grandes interesses por parte dos partidos — claro, se você perguntar para os dirigentes, eles vão dizer que há uma secretaria de juventude, mas não os vejo tomando uma medida consistente a fim de atrair os jovens.
Eu acho que no nosso sistema há uma cota de alienação. Em qualquer país onde o voto é obrigatório, muitos anulam ou deixam o voto em branco. Mas o problema nem é a obrigação de votar. Porque o comparecimento é obrigatório, mas não o voto em si. O problema é mais o desinteresse. Eu ficaria muito chocado e surpreso se, depois dessa crise toda, os jovens continuassem achando que política não tem nada a ver com a vida deles, que é tudo igual. Não é tudo igual. A gente vê que há modulações, percebe diferenças. É muito ignorância a uma altura dessas os jovens acharem isso. Mas em toda a sociedade há espaço para isso, para a recusa.
Nos países de voto facultativo, as pessoas ficam em casa — metade dos americanos não devem comparecer às urnas no dia da eleição presidencial deste ano. Lá o voto é facultativo, os jovens votam menos que os mais velhos. Quanto mais velho você fica, mais engajado se torna, começa a pagar imposto, precisa ver a relação entre imposto e serviço. Talvez os jovens estejam ficando mais conectados com o sistema politico e votem mais. Mas lá é um modelo facultativo, então a alienação está lá, e o esforço é incentivar esses meninos a votar. Aqui não, é obrigatório, então vai haver alguns meninos que vão achar chato, assim como no dia em que vão fazer o alistamento para o serviço militar obrigatório. Não é o voto obrigatório o problema. É direito deles não gostar de política. Não existe sociedade em que todo mundo tenha interesse pela politica.
A vida política é muito distante e pouco atraente
Os jovens são muito influenciados pelos ofícios dos pais, não é só com a política. Ninguém critica isso do filho do Caetano, da neta do Chico Buarque. É o ambiente familiar, há uma influência geral nessa direção. E na política não é muito diferente. Não é só porque o jovem conviveu com os pais e foi estimulado a seguir a vida partidária, mas os pais também criam mecanismos e estruturas que facilitam esse percurso. E um pai político deve ajudar muito um filho a fazer uma campanha. Aprender a fazer política, negociar com vereadores, realizar uma campanha bem-sucedida para deputado — não são tarefas simples. Uma pessoa do mundo político domina os códigos que facilitam essa passagem. Não vejo isso como algo necessariamente ruim, é uma coisa da vida, da relação dos filhos com os ofícios dos pais. E a política é facilitada porque política é recurso. Não só dinheiro, mas alguém que ensina, que abre as portas. Há casos bem-sucedidos, de filhos e netos talentosos; e casos fracassados, de políticos medíocres que não conseguiram seguir os passos dos pais. Claro que é um ativo que só quem é filho pode ter. Mas não exclusivamente. Não é por isso, por exemplo, que os outros jovens que não são filhos de políticos não vão para a politica. Os incentivos são baixos. A vida partidária é uma vida árdua, os resultados se dão em prazos longuíssimos. O partido é uma instituição pesada, lenta, e para quem não tem ambição de fazer carreira partidária, a vida política é muito distante e pouco atraente.
Pelo nome, quem quer essas reformas estruturais podem parecer mais radicais; e os que preferem uma reforma não estrutural podem parecer mais conservadores. Mas vejamos uma reforma radical, como o voto “distritão”: esse sistema não necessariamente atrairia melhores candidatos, ou mais jovens, porque há uma concorrência por distrito, uma carreira por partido que gera uma competição nos distritos em vez de abrir para a população geral. Um sistema como o nosso é mais poroso para jovens e para quem está começando. No sistema distrital, essas pessoas estariam disputando eleição até hoje, pois é um sistema duro para as minorias e para os partidos pequenos. Não vejo um grande problema com o sistema eleitoral, mas com a nossa cultura política, com a relação da sociedade com os partidos, com a descrença geral que a sociedade tem da representação política. E é este o nosso nó: como atrair pessoas para esses partidos, inclusive alguns que foram criados recentemente? O problema talvez não seja oferta — temos uma ampla oferta de partidos, para todos os gostos. Acho que a crítica mais geral é à instituição do partido, além dos baixos incentivos para ingressar nessa vida partidária. Hoje, um jovem formado numa boa universidade que é convidado para trabalhar numa prefeitura fica dividido entre o setor público e o privado. No passado, fazer carreira no Estado era uma opção mais comum. Era mais comum aceitar trabalhar como burocrata numa gestão — por exemplo, um economista trabalhar numa secretaria de planejamento. Agora, por conta dessa má reputação da vida partidária, da visão de que é uma corrupção generalizada, pouca gente tem estímulo. Muita gente talentosa vai para o setor privado, para o mundo das artes, para a cultura, para boas universidades.
Acho que, no fundo, os brasileiros têm um enorme desprezo — no sentido de não se preocuparem — com a Câmara dos Deputados. A eleição que importa mesmo para a população é para os cargos do Executivo. De última hora se escolhe alguém para deputado. Até que um dia esse governo trincou. E, num domingo impressionante, todas as famílias brasileiras estavam diante da TV assistindo não a Faustão ou a outros programas de entretenimento, mas aos deputados. E isso chocou o país, mas não deveria ter chocado. Se você assiste ao horário eleitoral, sabe que dali sairão os deputados. Então, talvez por ingenuidade, as pessoas pensassem que dali sairiam os melhores. Mas não: muitos personagens do horário eleitoral estavam lá no dia 17 de abril, com seus chapéus, seus gritos, suas capas de super-heróis da nação. Coisas grotescas para estrangeiros, mas que não deveriam ser grotescas para nós que assistimos às propagandas políticas. O efeito desse choque pode ser positivo na próxima eleição, porque talvez as pessoas pensem cinco vezes antes de escolher deputados — estou sendo talvez muito otimista —, digam que precisamos escolher pessoas sérias, que não dá para botar quem alguém indicado, um jogador, um pastor etc. Ou seja, um cuidado maior com o voto para o poder Legislativo, porque ele pode fazer diferença. Por exemplo, poderia ter feito toda diferença ao impeachment um congresso com outra configuração. E até o afastamento ganharia mais legitimidade se fossem outros discursos, se os deputados falassem com um pouco mais de seriedade. Tudo isso tem influência. E todas aquelas figuras foram eleitas.
Se você acha que a situação está ruim em Brasília, dê uma olhada na Câmara Municipal da sua cidade para ver o que vai encontrar.
Começou com a constituição de 1988, em uma emenda proposta pelo deputado Hermes Zanetti (PMDB-RS). À época, temia-se que isso levasse muitos jovens, sobretudo de esquerda, às urnas, porque a maioria dos jovens era de esquerda. O Brasil foi um dos primeiros países do mundo que concederam direito de voto a meninos de 16, 17 anos. Em geral, o padrão é 18 anos, como era até então no Brasil. No Império era 25, depois baixou para 21 e então para 18. Agora, a partir dos 18 anos o voto é compulsório; aos 16 e 17 é facultativo — assim como depois dos 60 anos de idade. Nas duas primeiras eleições em que a norma esteve em vigor, houve um movimento aqui no Rio chamado “Se liga, 16!” [com apoio da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) e da União Nacional dos Estudantes (UNE)]. A ideia era convocar os jovens a se registrarem para votar. Não lembro se isso teve algum efeito. Acho que deve ter havido outros movimentos do tipo nas eleições seguintes, mas foi perdendo força, e não vejo muito sucesso em tentar trazer os meninos para votação.
Olha, eu acho que a participação cívica tem que ser organizada pela própria sociedade. A gente tem uma tradição de achar que sempre precisamos de uma solução dada pelo Estado — embora, é claro, o governo possa ajudar. Por exemplo, acho um absurdo que não haja na escola uma disciplina ou parte de uma disciplina onde se conheça mais sobre a politica brasileira — como funciona o Congresso, o que é o Ministério Público, quais partidos nós temos, como é feita uma eleição, como os votos são contados. Uma aluna alemã certa vez me contou que, no final do ensino fundamental da Alemanha, quando os estudantes estão com 14, 15 anos, alunos do país todo visitam o Parlamento em Berlim e têm uma espécie de curso sobre instituições. Seria algo que chamávamos de “Educação Moral e Cívica” no passado da ditadura que podia ter sido revisitado, ter o conteúdo reformulado. Isso poderia ser feito numa reforma curricular, e acho que até alguns colégios sigam nessa direção. Mas o fundamental para a juventude são canais criados por iniciativas deles próprios.
Por exemplo, acho interessantes iniciativas como cursos pré-vestibulares feitos por jovens de classe média para jovens menos privilegiados; organizações ecológicas; esse novo movimento feminista jovem. Esse caminho, na minha opinião, ganha mais vitalidade na sociedade. Não consigo pensar em nenhum instrumento que se possa criar para “trazer” o jovem para a política. A gente precisa conhecer mais o Brasil, conhecer mais as nossas instituições. Com o momento político atual, estamos tendo uma aula diária de Direito, mas é preciso mais: saber como aquelas figuras são eleitas, como se aprova uma lei. E também nas cidades, precisamos entender a importância de uma Câmara Municipal. Afinal, se você acha que a situação está ruim em Brasília, dê uma olhada na Câmara Municipal da sua cidade para ver o que vai encontrar.
Esta entrevista é resultado da parceria do Vozerio com o projeto "Diagnósticos, subsídios e ações participativas para o fortalecimento da Política Nacional de Juventude", realizado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Advogado analisa aplicativo do ponto de vista do direito econômico
Diretor de A Batalha do Passinho, Emílio Domingos fala sobre Deixa na Régua, seu novo filme que aborda universo das barbearias cariocas
Para Clarisse Linke, diretora do ITDP Brasil, transporte de alto custo e má qualidade é um fator de exclusão dos jovens nas cidades brasileiras