por Miguel Lago
Toda época tem suas palavras de moda: palavras que não querem dizer muita coisa, mas diante das quais ninguém se opõe e todos tentam capitalizar em cima. Um caso emblemático é a palavra “sustentabilidade”. Agentes antagônicos se apropriam dela em seus discursos, e de repente, todos, sem nenhuma exceção, se reivindicam como “sustentáveis”: até mesmo companhias de energia fóssil! Hoje, vemos o termo “participação” surgir como novo modismo. Notem que todo governo se reivindica de ser participativo, as empresas também cada vez mais recorrem ao jargão, além é claro dos movimentos sociais, coletivos, ONGs, entre outros.
Hoje, vemos o termo "participação" surgir como novo modismo
Fato é que se dizer participativo pega bem: é capitalizável politicamente. E onde há capital político, ocorre apropriação discursiva. Muito embora, se escute a palavra à torto e à direita, poucos são aqueles que de fato se arriscam a traduzir, pautar ou elucidar a mensagem que da palavra emana. A "participação" é comumente empregada como concha oca, como palavra vazia, como significante (enunciação) sem significado (conteúdo, mensagem). Sobre essa propriedade opera a robustíssima maquinaria do marketing político que temos em nosso país. Qualquer dispositivo de política pública que envolva em algum nível outros sujeitos que não o próprio governo são autoproclamados de participativos: uma mera audiência pública, reunião com integrantes do terceiro setor, ou pesquisa de campo será qualificada como participativa.
Mas não para por aí, quando aliada a tecnologia, tais iniciativas parecem ganhar um requinte de mágica revolucionária. A Prefeitura de Boston, aliada à plataforma SeeClickFix, lançou suíte de aplicativos que envolve seus cidadãos como fonte de informação para o poder público. Buracos, lâmpadas quebradas, entre outros problemas da cidade são mapeados pelos cidadãos que comunicam diretamente à Prefeitura. Sensores humanos que contribuem efetivamente para um melhor cuidado da cidade, disponibilizando informação gratuita. Não há a menor dúvida de que trata-se de um dispositivo de controle territorial mais eficiente: ao invés de ter agentes estatais percorrendo a cidade, usar a informação gratuita produzida pela população. No entanto, não pode se proclamar legitimamente como participação: afinal a única coisa que se requer do cidadão é que seja um bom delator, nada mais.
Outro mecanismo um pouco mais sofisticado em termos de marketing, ainda que muito menos eficiente para a gestão do que o primeiro, vem ocorrendo em cidades brasileiras, e é constantemente alcunhado como revolucionário, inovador: o famoso concurso de ideias. Nele, a população traz ideias para melhorar uma política pública e é brindada pela Prefeitura com um “Sim” ou “Não”, tal o Imperador fazia nas velhas arenas de gladiadores. A decisão arbitrária segue na mão de um só soberano: o executivo, o gestor, o César contemporâneo em seu Coliseu de purpurina.
Ora, a participação é justamente a inversão desse processo: o Executivo pode até trazer ideias, mas a decisão final está na mão da população. Não há política participativa possível se não houver disposição do Executivo em compartilhar a tomada de decisão, em descentralizar poder.
Esvaziada desse significado, a palavra “participação” só existirá como significante vazio, como objeto de marketing pelo marketing, como objeto de estetização da política. Importante ter isso claro em tempos de Cesarismo pós-moderno: não cair no oba-oba promovido por nossos governantes.
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