Havia gente de todo lugar, muito à vontade e comendo com a mão. Mas não era o mítico Pagode do Vavá, e sim o desfile do Timoneiros da Viola, realizado no último domingo (31/1). Desfile não é a melhor palavra, já que o bloco ficou mesmo foi parado, na praça Paulo da Portela, em Oswaldo Cruz. Mas ninguém reclamou da imobilidade, já que o calor era grande e havia muito samba animando o encontro. Criado há cinco anos, o Timoneiros já se tornou uma tradição da folia carioca e cresce a cada oportunidade. O idealizador da festa é o jornalista Vagner Fernandes, que conversou com o Vozerio sobre os perigos escondidos no gigantismo que já assola o carnaval de rua do Rio. Segundo o coordenador da Arena Carioca Fernando Torres (Parque Madureira), não dá para ser amador quando se organiza um bloco para 50 mil pessoas. Veja abaixo os melhores momentos do bate-papo.
Na foto: O sambista Monarco, da Velha Guarda da Portela, observa a multidão de foliões no Timoneiros da Viola (Bloco Timoneiros/Facebook)
Primeiro, você precisa pedir uma autorização da Riotur. Então eles avaliam a possibilidade de permitir ou não o desfile de acordo com o local. Nessa etapa, a maioria dos blocos é liberado. Depois, com o documento da Riotur em mãos, é preciso pedir autorizações do batalhão de polícia da região e do Corpo de Bombeiros. Mas a maioria dos blocos não consegue a liberação por parte dos bombeiros, porque eles fazem uma série de exigências que a gente não tem como cumprir. Por exemplo, eles pedem a planta baixa do circuito em que o bloco vai desfilar com a autorização de um engenheiro certificado pelo Crea. No fim, a gente finge que cumpre e eles fingem que acreditam. Graças a Deus, até hoje nunca aconteceu nada de grave no Timoneiros. Este ano, o Pezão até afrouxou as regras, permitindo que blocos sem palco não precisassem da autorização dos bombeiros. Mas a questão é que o gigantismo do blocos não é mais compatível com as exigências legais. Não com o arsenal financeiro de que a gente dispõe. Ou a gente para e discute isso com seriedade ou o carnaval de rua vai acabar.
Em 2016, o Timoneiros não teve nenhuma fonte de receita. Banquei o bloco com as minhas economias e estou contando com a ajuda de amigos para fechar as contas. Só o trio elétrico custou R$ 18.800. A Prefeitura nos apoia com a logística do bloqueio das ruas e dos banheiros químicos. A segurança interna do bloco é financiada pela gente. No caso do Timoneiros, fiz uma parceria com uma empresa e vou pagar em parcelas. Ainda assim, a equipe que eu consegui era insuficiente para o número de foliões, que têm um perfil tranquilo e por isso garantem que tudo aconteça sem maiores preocupações. O bloco Meu Amor, Eu Vou Ali, do Valqueire, desistiu de correr esse risco e se mudou para dentro da quadra da Tradição, por não ter como bancar uma segurança decente. Acho que a tendência é essa se o modelo não mudar. Cada vez mais, os blocos vão sair das ruas. Ou vão acabar. Não há condições de ficar do jeito que está.
Nós temos uma empresa patrocinadora do carnaval de rua que não vê os blocos como uma manifestação cultural popular, mas sim como uma alavanca de negócios. Entendo que o dinheiro seja dela e que ela decida a maneira como deseja gastá-lo. Só questiono o fato de a cervejaria não negociar com os blocos de maneira séria e transparente. Se somos protagonistas do carnaval, então por que ainda arcamos com a infraestrutura envolvida no evento, que custa muito mais do que o que a gente consegue pagar, por exemplo? Outro ponto: por que os blocos das Zonas Norte e Oeste recebem em produto (cerveja) e não em dinheiro, como acontece com os blocos da Zona Sul?
Um engradado tem 12 latinhas. A empresa fornece para o bloco 50 engradados desses, por exemplo. O que o bloco vender, fica com o bloco. Nesse caso, se todas as latinhas fossem vendidas a um preço de três reais, renderia para o bloco 1.800 reais. Em troca, a cervejaria cobra que você só venda a cerveja deles, exponha a marca da empresa em camisa, carro de som e outros materiais relacionados ao bloco, além de outras exigências. Por que não podemos questionar esse acordo? Desisti de viver esse inferno. Para você ter uma ideia, o aluguel de um trio elétrico custa cerca de R$ 20 mil. Num bloco como o Bola Preta, o número de foliões exige que sejam usados até quatro caminhões desse tipo. A estrutura do carnaval de rua precisa ser repensada.
Eu tenho um raciocínio prático em relação a isso. Os números apontam que a Prefeitura tem uma boa arrecadação com o carnaval, principalmente em função dos blocos. Logo, seria interessante que uma parte dos recursos arrecadados com a festa fosse revertida para a própria festa por meio de editais públicos. O carnaval de rua é uma manifestação cultural, assim como uma peça de teatro, um espetáculo musical. Governo do Estado já faz isso. Existe um edital anual em que blocos e escolas de samba podem se inscrever para receber dinheiro do estado e por meio de renúncia fiscal de empresas. Mas, mesmo nesse edital, os blocos saem no prejuízo, porque o limite de renúncia fiscal permitido para a gente é de R$ 50 mil. Para as escolas de samba, o teto é de R$ 800 mil. Sei que alguns discordam da minha ideia. Mas o principal é o seguinte: o carnaval de rua se modificou. Não é mais só uma coisa poética e lírica, como a gente tenta preservar em Madureira. Você tem que ter uma boa estrutura para poder comportar 50 mil pessoas num bloco. E isso custa caro. Há os gastos com segurança, com a equipe que produz o evento, com os ritmistas. Muitos desses músicos vivem disso e é justo que recebam pelo seu trabalho. São artistas. Os 100 instrumentos usados no Timoneiros foram levados de caminhonete até o local do bloco, e isso é pago. A festa está tomando uma outra proporção. Hoje, a maioria dos blocos não sai mais com uma kombi e 10 ritmistas. A procura das pessoas exigiu que a estrutura passasse a ter um certo nível de profissionalismo. Não dá para ser amador com 50 mil pessoas ao seu redor.
O Z.O.N.N.A B (Zonas Oeste e Norte de Núcleo de Blocos) é uma associação que existe há dois anos. Naquela época, a gente começou a entender que precisava se aliar para abrir diálogo. As Zonas Norte e Oeste são as duas mais populosas da cidade. Por isso, não consigo entender por que as empresas tratam os blocos dessas áreas da maneira como eu descrevi. A Zona Oeste, por exemplo, é um dos lugares da cidade onde mais se consome cerveja. Em 2009, saiu uma matéria mostrando que o boteco do Manolo do Bangu Shopping era o bar em que mais se vendia chopp no Brasil. Quer dizer, o potencial existe. O que atrapalha é o desinteresse. Como um bloco aqui tem menos cobertura jornalística do que um no Centro ou na Zona Sul, as empresas preferem investir nos eventos que acontecem por lá em função da maior visibilidade.
Acho esse um fenômeno importantíssimo. Primeiro porque ele mostra a capacidade das pessoas dessas partes da cidade de se organizarem independentemente do dinheiro disponível. É um movimento muito grande sem relação com empresas, patrocinadores ou instâncias públicas. São pessoas que se reuniram, decidiram fazer algo e fizeram. Em segundo lugar, porque torna visível quem sempre esteve invisível e que agora se mostra capaz de construir projetos e ações autossustentáveis. Hoje, as pessoas não querem mais depender de nada. Elas não aguentam mais essas relações de dependência já seculares. E o terceiro ponto importante é o fato de essas iniciativas destacarem o quanto a cultura do subúrbio é forte e importante no processo de preservação da identidade de quem mora do lado de cá. Todas as novelas recentes têm núcleos que necessariamente se passam em morros, favelas ou bairros fictícios de subúrbio. Isso mostra que o mercado audiovisual começou a entender que é preciso tratar esta cultura de uma forma diferente da que vinha se fazendo. É uma maneira de viver muito representativa e autêntica e que, por isso, se preserva. A cultura do subúrbio existe antes de qualquer conceito. Ela é orgânica. Até por isso, quando se faz uma caricatura dela, existe o risco de não haver identificação. Por outro lado também, os acertos em retratá-la são muito reconhecidos.
Estou trabalhando numa biografia do Candeia a pedido da Selma, filha dele. Além disso, deve sair em breve a reedição da obra completa da Clara Nunes pela Universal e também devo relançar meu livro sobre ela por uma nova editora. Há dois projetos que devemos implementar na Arena Fernando Torres (Parque Madureira) e nos quais eu também estou trabalhando. Um deles se chama Rio dá samba: a história da cidade de São Sebastião através dos sambas-enredo. É um musical que vai passear pela história da cidade por meio dos sambas-enredo. Vamos explorar personagens e episódios marcantes que estão registrados em sambas magistrais. O espetáculo deve começar a circular pelas arenas cariocas no segundo semestre. O outro projeto no qual estamos trabalhando se chamar Madureira cheia de bossa. Nele, a Paula e o Jaques Morelenbaum vão fazer um resgate da Bossa Nova com a presença de representantes desse estilo musical na arena do parque. A ideia é que sejam cinco encontros, que devem acontecer a partir do segundo semestre também.
Tudo começou no Largo da Igreja de Santa Cecília, em Bangu. Eu estava por lá com uns amigos no carnaval de 2011, tomando cerveja e festejando, quando começou a tocar "Foi um rio que passou em minha vida". Foi uma catarse coletiva. Todo mundo ficou muito feliz com aquilo. Então, me surgiu esse questionamento: por que as músicas de ícones do samba não são tão lembradas durante o carnaval, quando deveriam justamente ser as protagonistas? O Timoneiros surgiu para cobrir essa lacuna. Procuramos o Paulinho e ele ficou felicíssimo com a ideia de celebrar sua obra num bloco. Tão feliz que foi além e sugeriu: "só a minha obra não. Vamos celebrar a obra de todos". Desde então, a nossa proposta tem sido resgatar os grandes nomes do choro e do samba nos nossos desfiles. Em 2012, o Paulinho fez 70 anos e foi o homenageado. No ano seguinte, foi a vez do espetáculo Rosa de Ouro, que reuniu Paulinho, Clementina de Jesus e outros grandes nomes na década de 1960. Em 2014, Candeia. Em 2015, Cartola. Em 2016, Zé Ketti. Todos os homenageados têm relação com a obra do Paulinho. A gente sempre busca isso.
O resgate e a preservação da memória são problemas sérios no Brasil. E não se vê nenhum esforço de fazer o passado dialogar com o presente por meio de projetos que envolvam as novas gerações. O Timoneiros faz isso e as pessoas reconhecem. Os formadores de opinião nos prestigiam e os suburbanos também, talvez por terem saudade dos antigos carnavais da região. Acho que o nosso sucesso está relacionado ao fato de a gente levar para a rua esse resgate e essa preservação de identidade. E nada mais simbólico do que fazer isso por meio de um bloco de samba, que é o gênero mais popular do Brasil. Chega a ser uma coisa meio mágica. Vem gente da cidade inteira. As diferenças sociais, educacionais, de etnia, de gênero, todas desaparecem quando o bloco está na rua. O Timoneiros tem um perfil muito agregador e, talvez por conta disso, se tornou referência. Não há brigas. É um público diferente. Todos ali estão buscando reviver os antigos carnavais de subúrbio do Rio de Janeiro. Por isso, existe esse encantamento, essa magia.
Advogado analisa aplicativo do ponto de vista do direito econômico
Diretor de A Batalha do Passinho, Emílio Domingos fala sobre Deixa na Régua, seu novo filme que aborda universo das barbearias cariocas
Para Clarisse Linke, diretora do ITDP Brasil, transporte de alto custo e má qualidade é um fator de exclusão dos jovens nas cidades brasileiras