Em debate promovido pelo Vozerio, cientista político e economista defendem modelo de mobilidade que não inclua só transporte, mas preveja melhor distribuição também de emprego, lazer e cultura: "obra não é solução".
Recentemente avaliada por um instituto holandês como a terceira metrópole mais congestionada do mundo, o Rio vive um momento de aparentes grandes mudanças em seu sistema de mobilidade urbana. Dos recém-implementados BRT e Passe-Único, passando pela demolição da Perimetral e pela expansão da malha de ciclovias, à inauguração da Linha 4 do metrô e do VLT previstas para 2016, uma análise preliminar talvez levasse a crer que, a despeito dos engarrafamentos, tal como uma vez se jactou o prefeito Eduardo Paes, “nunca na história dessa cidade se fez tanto em transportes”.
Essas inovações, entretanto, de fato serão aquelas que a cidade mais precisava? A partir de qual concepção de transporte urbano se organizam, e de acordo com quais interesses? Serão elas o suficiente para garantir o direito à cidade?
A fim de procurar respostas para perguntas como essas, o Vozerio promoveu nesta última terça (21/07) a terceira edição do ’Conversas na Biblioteca’, na Biblioteca Parque Estadual, no Centro. Com participação do cientista político, cofundador e coordenador do Meu Rio Miguel Lago, e o economista especializado em mobilidade urbana e coordenador de informação da Casa Fluminense Vitor Dias Mihessen, o debate, organizado em formato de bate-papo, girou em torno da pergunta "Mobilidade e integração social: o Rio é acessível para quem?", apresentando dados, relatos e análises que problematizam e contradizem a visão encantada sugerida pelo alcaide.
Lago resumiu em uma de suas primeiras frases o ponto que se dedicaria a demonstrar ao longo de sua participação: “O transporte público é a imagem perfeita da ‘mafialização’ do Estado em que vivemos”. Por ‘mafialização’, Lago se referia à ausência de transparência nos contratos relacionados ao transporte da região metropolitana do Rio.
Segundo o cientista político, os contratos que determinam o preço do metrô (R$ 3,70) por exemplo, são inacessíveis até mesmo por meio da Lei de Acesso à Informação, ao mesmo tempo em que o transporte rodoviário, licitado em 2010, está concentrado em operadores da própria cidade, devido a um processo de seleção considerado não isonômico por concorrentes internacionais.
"Obra não é solução"
Mihessen, por sua vez, enfatizou que qualquer solução para o a mobilidade no Rio não pode incluir apenas transporte, mas necessita fazer parte de uma série mais ampla de mudanças, compreendendo alternativas locais de emprego, lazer, cultura e educação. "Obra não é solução", disse o economista. A Casa Fluminense, em suas palavras, “defende uma pauta de desenvolvimento local, que não diga respeito apenas a emprego, mas também a lazer e cultura. [As pessoas] não estão no trem por gostarem do trem, mas sim porque estão em busca de trabalho e lazer”.
Essa exigência de desenvolvimento local se explica pelos altos custos de tempo e de dinheiro envolvidos na locomoção. Citando dados de sua dissertação de mestrado, obtidos a partir de indicadores do Censo e disponibilizados parcialmente neste artigo, o pesquisador observou que em média gasta-se mais dinheiro com transporte do que com alimentação. Os gastos relacionados à locomoção, portanto, ficam atrás apenas dos de moradia.
Os mesmos custos elevados se repetem em relação ao tempo. A região metropolitana tem tempo de deslocamento médio da residência até o trabalho de 49 minutos — o que, no caso de Japeri, último município com serviço regular de trem da região metropolitana, chega a uma hora e 11 minutos, um dos índices mais altos do mundo, segundo o pesquisador.
Segundo Lago e Mihessen, a necessidade de mudanças abrangentes, para que de fato haja mobilidade na cidade, decorre destes números elevados. Ou seja: a criação de alternativas locais de emprego por si só é insuficiente se vastas áreas da região metropolitana continuarem desprovidas de alternativas de cultura e lazer.
Do mesmo modo, a criação de opções culturais em áreas distantes do Centro sozinha não basta, se não houver também uma política voltada a favorecer o empreendedorismo local, de modo a criar postos de trabalho próximos às residências e a diminuir o desemprego e os índices de informalidade.
Em suas sugestões sobre o que pode ser feito de imediato, Lago e Mihessen convergiram em uma demanda considerada prioritária e urgente: a por maior participação da sociedade civil na tomada de decisões. Respondendo a um questionamento do público, Lago observou que os mesmos lobbies que levam à “mafialização” decorrem de uma concentração na tomada de decisões na formulação de políticas públicas, que só pode ser combatida com maior diálogo e participação popular.
Citando o sociólogo espanhol Manuel Castells, o cientista político afirmou que “diante de redes de capital, é preciso haver redes de pessoas. Quanto mais democrática a sociedade, mais interessante ela será, porque redes de pessoas e redes de capital podem disputar a tomada de decisões”.
BRT de Campo Grande: sem consulta à população
Um exemplo concreto da importância da participação popular na tomada de decisões relacionada à mobilidade urbana foi oferecido em uma interação com a plateia. Segundo Guilherme Braga Alves, do coletivo Nós de Campo de Grande, o traçado do BRT Transoeste foi inicialmente definido sem consulta popular, e a princípio não previa o bairro mais populoso da capital.
Preocupado com o destino do transporte de sua vizinhança, o jovem escreveu para o prefeito Eduardo Paes no Twitter. Este respondeu que, sim, a linha expressa passaria por lá. Quando de fato ela chegou, entretanto, o trajeto até a Barra da linha incluía “uma perna para Santa Cruz”, isto é, “um desvio estúpido”. Sobre essa questão, todos os participantes concordaram: o caso poderia ter sido evitado com maior interlocução entre poder público e sociedade civil.
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