Há 35 anos no Armazém Cultural das Artes, grupo de artistas e artesãos reluta em deixar espaço na Gamboa para empreendimento imobiliário de luxo
Avenida Venezuela, 232, Gamboa. O galpão industrial de estrutura mista, fachada eclética e composição neoclássica dos anos 1910 nada tem em comum com a torre espelhada de 26 andares que deve ocupar o local no futuro. A transformação é parte do projeto Porto Maravilha, e o local que hoje abriga o Armazém Cultural das Artes — onde artistas produzem cenários para peças teatrais — está destinado a um empreendimento imobiliário de moradia de alto luxo.
Segundo o projeto da construtora Tishman Speyer, o Lumina Rio será um complexo de quatro torres de 26 andares, cada uma com 360 unidades residenciais e um total de 1.440 apartamentos. O empreendimento ocupará uma área de 82 mil metros quadrados em dois terrenos da avenida Venezuela, entre a futura sede da L’Óreal e o Moinho Fluminense. A Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp) afirma que a construção faz parte do plano de adensamento populacional da Região Portuária, que projeta um aumento dos 32 mil moradores atuais para 100 mil em dez anos.
A necessidade de desocupação do armazém e de outros treze imóveis que pertenciam à Companhia Docas do Rio de Janeiro S.A. para implantação da urbanização da área portuária foi oficializada por decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff em 2013. A Prefeitura do Rio indenizou a empresa em R$ 7.768.800 pela desapropriação.
Em 2012, os cenotécnicos ocupantes do armazém foram informados pela Cdurp que teriam de desocupar o local. Apesar do prazo para desocupação — 27 de julho deste ano — já ter se esgotado, eles insistem em permanecer, defendendo a realização de um projeto de reforma e reestruturação do armazém. Segundo a Cdurp, “o imóvel precisa ser desocupado o quanto antes, até o fim deste ano”. Apesar disso, a própria Cdurp já reconheceu o valor da iniciativa; os futuros desalojados receberam o Prêmio Porto Maravilha Cultural em 2014.
Em busca de espaço
Desde 1979 o armazém vem sendo usado para a construção de cenários pelo grupo do Armazém Cultural. Na época, um acordo firmado entre a Docas e a Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj) permitiu que o grupo ocupasse o local, então desocupado. Grandes nomes da arte cenotécnica, como o escultor Iarema Ostrog, passaram a produzir ali os cenários para eventos e peças dos principais teatros do Rio.
Hoje, o galpão abriga dez oficinas, 8 grandes e 2 menores. Uma visita ao galpão numa segunda-feira, dia 31 de agosto, encontrou o local em plena atividade, animado pelo trabalho de carpinteiros, serralheiros, pintores, escultores, entre outros profissionais. Nesses 35 anos de ocupação, foram produzidos mais de três mil cenários. No local funciona também o ponto de cultura Palco Escola, que proporciona oficinas para formação de novos profissionais da área.
Após a divulgação do projeto Lumina Rio, os artistas e a Prefeitura iniciaram um diálogo para tentar encontrar soluções. A assessoria de imprensa da Cedurp disse a Companhia apresentou cinco espaços possíveis para alocação do grupo, além de sugerir que os próprios ocupantes procurassem outro lugar para alojar o projeto.A Prefeitura se comprometeria a pagar o aluguel do local para onde fossem transferidos. A Cdurp disse ao Vozerio que reconhece a importância do trabalho artístico desenvolvido no local.
Embora o galpão onde hoje funciona o Armazém Cultural das Artes tenha um total de cinco mil metros quadrados, nenhuma das soluções apresentadas pela Prefeitura passa de mil metros quadrados. Para manter todas as oficinas, os artistas acreditam que seriam forçados a se dividir em mais de um local. Eles também temem a dependência da Prefeitura para o pagamento do aluguel do imóvel. "Não temos garantias de quanto tempo esse aluguel será pago; se mudar a administração, poderemos mais uma vez ficar numa situação difícil", ressaltou Martha Garcia, ocupante do Armazém.
Em jogo, também estão relações com moradores e outros grupos do entorno. “Construímos aqui estruturas enormes, precisamos de um galpão com pé direito alto e espaçoso. Os laços que criamos aqui são muito fortes. Entre as oficinas, que são interligadas, e entre a comunidade do Porto. Quando aparece demanda, estamos juntos”, desabafou a diretora de arte e cenógrafa Emily Pirmez, uma das primeiras ocupantes do Armazém.
Uma Cidade no Teatro?
Em busca de uma maneira de permanecer no local, Martha e outros cenógrafos preparam o projeto “Cidade do Teatro”, apresentado à Cdurp no ano passado. A proposta prevê a restauração da fachada, preservando as linhas arquitetônicas originais, adequação das oficinas, construção de teatro, museu interativo, salas de ensaio e escritórios multiuso. Para manutenção e sustentabilidade do local, prevê-se a instalação de conveniências voltadas para a parte externa do galpão e lojas de produtos variados. A estimativa de custo do projeto físico é de R$ 17,9 milhões.
A Cdurp considera o projeto relevante para a cena artística e cultural, mas insiste que ele pode ser adaptado a outro local. Além disso, o órgão ressalta que não foram apresentadas garantias de recursos para sua execução. Os artistas alegam que precisam do contrato de cessão do imóvel para buscar alternativas de financiamento. "Nenhuma empresa vai querer nos receber para falar do projeto sabendo que ainda temos esse impasse", reforçou Emily.
Na última sexta, 4 de setembro, os artistas teriam uma reunião com o deputado federal Pedro Paulo Teixeira, secretário executivo de Coordenação de Governo, para discutir, mais uma vez, possíveis rumos para o local. O deputado, contudo, cancelou o encontro. "Precisamos dessa reunião para explicar a viabilidade do projeto, mas se ele não for possível, infelizmente teremos que aceitar a mudança de local, desde que nos apresentem algo do mesmo tamanho e que comporte nossa produção", lamentou Emily. O Armazém Cultural das Artes segue sem destino definido.