Ambulantes ilegais que atuam nos trens negociam com Supervia projeto de formalização: este ano, vigilantes retiraram mais de 21 mil pessoas dos vagões.
No dia 28 de julho, a morte do ambulante Adílio Cabral dos Santos, atropelado por um trem na altura da Estação de Madureira, causou comoção nas redes sociais quando a Supervia autorizou outra composição a passar por cima do corpo, para evitar atrasos em horário de pico. O caso chamou atenção para as dificuldades enfrentadas pelos vendedores, que costumam pular os muros das estações para não pagar a passagem (R$3,30) e na maioria trabalham na ilegalidade. Desde o início do ano, mais de 21 mil ambulantes não autorizados foram retirados do sistema ferroviário do Rio de Janeiro pelos vigilantes da Supervia. Nesse ano, 24 pessoas que transitavam na via férrea foram atropeladas; não se tem ideia de quantos eram vendedores.
Em 2007, a Supervia iniciou o processo de legalização do comércio ambulante nos trens. Segundo a concessionária, 170 vendedores têm situação regularizada junto à empresa. Os ambulantes legalizados precisam se cadastrar, utilizar um jaleco padronizado, crachá de identificação, e cumprir certas normas de conduta. Não podem, por exemplo, carregar muitas sacolas e caixas; devem ter sempre um saco para o lixo; e não devem deixar a mercadoria desorganizada. Além disso, os que vendem alimentícios só podem comprar as mercadorias na única distribuidora autorizada, a J&V, que fica na estação de Madureira. A J&V tem autorização da Supervia para atuar nos ramais de Japeri e Santa Cruz, nos trechos que vão da estação de Madureira até as estações finais dessas linhas.
Hoje, estão presentes na via o Infoglobo, que comercializa os jornais do grupo em todos os trechos e ramais; Tim, Claro, Vivo e Oi, com a venda de chips de telefonia pré-pagos em algumas estações-chave, como Central do Brasil, Madureira, Nova Iguaçu, Bangu e Duque de Caxias.
“A vantagem de me legalizar é que não preciso mais correr de guarda, minha idade não permite mais isso”, disse Paulo Sérgio de Oliveira, de 62 anos, que trabalha desde os 9 como ambulante nos trens. Morador de Imbariê, bairro de Duque de Caxias, foi obrigado a começar a trabalhar cedo para ajudar no sustento da família. “Amanhã, se precisar voltar pra clandestinidade, ou porque o convênio com a empresa acabou, ou por qualquer outro motivo, volto. Não posso ficar sem trabalhar”.
A concessionária não tem estimativa de quantos são os ambulantes informais e nem em que ramais atuam. Lenin Pires, coordenador do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense, acompanhou durante dois anos a rotina dos ambulantes, o que resultou em sua dissertação de mestrado — “Esculhamba, mas não esculacha” — com foco na repressão física e psicológica por que passam esses trabalhadores. No seu estudo de campo, em 2005, o antropólogo constatou que cerca de 900 vendedores atuavam em todos os cinco ramais. "O transporte por trem no Rio é destinado a um público oriundo das camadas populares, que mora em bairros do subúrbio e em cidades da Baixada Fluminense. Esse público passa horas nos trens e precisa do trabalho dos camelôs", contou Lenin ao Vozerio.
A maioria dos ambulantes não aceita o projeto de legalização proposto pela Supervia em 2007. A principal razão alegada para a rejeição é a vinculação dos serviços a uma única empresa e a impossibilidade de atuar em todos os ramais. Segundo os camelôs, que conseguem faturar em média um salário mínimo por mês, a margem de lucro cai muito quando não podem variar seu fornecedor.
Desde 2005, quando tentaram fundar um sindicato sem sucesso – já que profissão de ambulante não é reconhecida pelo Ministério do Trabalho – os trabalhadores organizados são representados pela Astraterj (Associação dos Trabalhadores dos Trens do Rio de Janeiro). Jorge Gonzaga, conhecido como Azulão é uma das lideranças do grupo. “Eles pagam uma comissão pequena, comprando de apenas um depósito a margem de lucro dos vendedores cai muito”, ressaltou.
Francisco Costa Aguiar, de 55 anos, trabalha há 30 nos trens e conta que muitas vezes perdeu toda sua mercadoria para a fiscalização assim que entrou no primeiro vagão, na primeira hora de trabalho. “Logo que a Supervia assumiu a fiscalização era pesada, perseguia muita gente. Hoje ainda está difícil em alguns ramais, mas aqui já conseguimos conversar”, conta o ambulante que, mesmo após sofrer um acidente vascular cerebral, há 5 anos, continua trabalhando.
Depois de negociação com a concessionária, está sendo discutido um novo projeto de regularização da atividade. Em troca do reconhecimento da concessionária, do direito à livre circulação e da autorização para comercialização de seus produtos — podendo escolher o fornecedor — os ambulantes propõem se cadastrar, utilizar uniforme e identificação. Além disso, prometeram cumprir certas normas de conduta como: não trabalhar fumando, não trabalhar embriagado, não vender produtos com validade vencida e não fazer refeições dentro das composições.
Hoje, as conversas com a Supervia foram retomadas. Os vendedores que atuam no ramal de Saracuruna têm feito reuniões e conseguiram um acordo com a Supervia, que prometeu cadastrar 55 ambulantes e ceder camisetas para que eles possam se identificar e trabalhar vendendo produtos dos fornecedores com os quais estão habituados, seguindo o projeto original proposto em 2005. A promessa deve ser cumprida até o dia 28 de agosto.
Segundo a Astraterj, cerca de 100 ambulantes atuam nesse ramal. A associação espera que a iniciativa possa ser estendida aos outros ambulantes e, como contrapartida, está passando para os associados normas de conduta a serem seguidas no trabalho nos trens, além de estimular os ambulantes a se regularizarem como microempreendedores individuais.
De doces a produtos de beleza, é possível encontrar de tudo à venda nos trens do Rio. O Vozerio fez o teste em uma viagem pelo ramal de Santa Cruz, um dos mais movimentados da malha ferroviária