Em texto dedicado à menina atacada à saída de um culto de candomblé, o historiador Luiz Antonio Simas defende: "que cada um tenha o direito de encontrar o mistério do que lhe é pertencimento"
Foto: Toninho Oliveira/Prefeitura de Campinas
(Texto dedicado a uma menina apedrejada na Vila da Penha, no dia 14 de junho, porque estava com o traje branco e os fios de conta do seu orixá.)
Essa é a minha tessitura de olhar o mundo, como historiador, escritor, amigo, filho e pai.
Nós divinizamos os homens e humanizamos os deuses para construir uma civilização amorosa nos confins do ocidente. Em nome do oxê de Xangô, do pilão de Oxaguiã, do xaxará de Omolu e do ofá de Oxossi não há um só genocídio perpetrado na face da terra.
Nunca houve qualquer guerra religiosa em que se massacraram centenas de milhares de seres humanos em nome da fé nos encantados e orixás. A insígnia de nossos deuses nunca foi a mortalha de homens comuns - nós apenas batemos tambor e dançamos, não morremos ou matamos pela nossa fé.
O que faço é política, como já escrevi alhures. Eu faço política quando canto, toco, danço, imolo animais, respeito os mistérios do rio, evoco meus ancestrais na casa de egun, e digo aos arrogantes de plantão que cultuo os deuses que atravessaram o Atlântico, nos porões imundos dos tumbeiros, para inventar a vida onde amiúde ela não poderia existir. Eu faço política quando rezo as folhas e encanto com meu canto a jurema da matas do Brasil.
Orunmilá, o senhor do Ifá, conhecedor dos destinos, determinou que assim fosse. Ogum autorizou. Obatalá é o dono da minha casa - meu ilê. Exu, o compadre, mora na minha varanda, vive na minha esquina e me acompanha nas cervejas e batuques; ele bate comigo palmas ritmadas no compasso do partido-alto. É dele, sempre será dele, Exu Odara, o senhor da alegria, o primeiro gole de cada entardecer da minha vida.
E não admito andar de cabeça baixa e nem me envergonhar do legado dos meus avós (quando criança, tive em certa ocasião vergonha de dizer no colégio que era do santo; dessa fala que não saiu da minha boca eu nunca mais esqueci e o silêncio constrangido do menino ainda grita no homem que sou).
Que cada um tenha o direito de encontrar o mistério do que lhe é pertencimento, em gentileza e gestos de silêncio, toques de tambor e cantos de celebração da vida.
Eu conheci e (me) reconheci (no) meu deus enquanto ele dançava, no corpo de uma yaô, ao ritmo do vento que balançava as folhas sagradas do mariô, amansando o chão de terra batida à virada do rum. Meu general, com a majestade dos seus passos, fazia farfalhar a copa do dendezeiro com a destreza de sua adaga africana. Foi o alfanje de Ogum que alumiou meu mundo. É com ele que escrevo agora.
Olorum Modupé!
{}Texto originalmente publicado no blog "Histórias brasileiras", em 16 de junho de 2015
Como um bloco como o Escravos da Mauá contribui para fortalecer a identidade do seu bairro — no caso, a zona portuária? Neste artigo, Teresa Guilhon — uma das fundadoras do cortejo — explica
Uma nova investigação sobre como as bibliotecas do Centro tratam quem as procura como local de trabalho ou estudo.
O lixão de Duque de Caxias foi fechado, mas o lixo está por toda parte, integrando-se ao cotidiano das crianças