Fica óbvio que podemos ver refletido na gentrificação do Maracanã um processo muito mais amplo e que tem relação não apenas com a Geral, mas também com a especulação imobiliária, os piscinões, o sambódromo, as linhas de ônibus racionalizadas e tantos outros exemplos diários da nossa cidade.
Foto: Geral do Maracanã (Divulgação/Facebook)
Em algum momento do primeiro semestre de 2005, meu amigo Renato e eu decidimos que era a hora de conhecer a Geral, mitológico espaço do Maracanã que estava com seus dias contados. Daquela longínqua tarde de sábado, nasceu um filme que, 11 anos depois, chega esta semana ao traiçoeiro e instável circuito de salas comerciais de cinema.
O que vimos e sentimos durante esse período é algo impossível de se colocar em palavras. Entre tantas, diria que uma chique e ainda pouco estudada é a que mais representa nosso processo: gentrificação.
Segundo a Wikipédia, chama-se gentrificação (do inglês gentrification) o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento nos custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada.
Segundo um amigo que vai direto ponto e tentou resumir tudo isso aí de cima, gentrificação é uma palavra bonita e difícil que, no fundo, quer dizer “tira esse povo feio daí”.
O que ficou disso tudo foi um estádio frio, sem alma, sem história e sem seus fiéis frequentadores
No caso específico do que ocorreu com o estádio do Maracanã (nascido em 1950 e falecido em 2010), é fácil ver como as duas definições procedem. Afinal, depois de sua última, mais cara e vergonhosa reforma, o Maraca foi mesmo afetado por uma valorização. Não de sua história, totalmente desrespeitada. Nem mesmo de seus frequentadores, relegados ao pay-per-view do boteco. Foi apenas uma valorização do custo de sua reforma, que envolveu a Fifa e seus sócios brasileiros em negócios suspeitos.
O reflexo disso é a segunda parte da explicação da Wikipédia: aumento no valor dos ingresso e mudança no “perfil” do público (ambos inescrupulosamente previstos no texto do edital de licitação!). E onde as duas definições se completam? Na terceira e última etapa do processo: “dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada”. Em outras palavras, “tira esse povo feio daí”.
O que ficou disso tudo foi um estádio frio, sem alma, sem história e sem seus fiéis frequentadores. Atualmente, podemos também incluir nessa lista: sem jogos, sem administração, sem cuidado e sem dinheiro. E isso é o pior que poderia acontecer? Do ponto de vista do simbolismo que o Maracanã tem para o futebol e a cultura do Brasil, sim. Do ponto de vista da cidade, não.
Afinal, como lembra Marcelo Freixo durante o filme, o fim da Geral do Maracanã não é apenas o fim de um estádio, mas também o fim de um projeto de cidade. Ou seja, como seria fácil simplificar, não estamos apenas tratando de um estádio de futebol. Muito pelo contrário.
Fica óbvio que podemos ver refletido na gentrificação do Maracanã um processo muito mais amplo e que tem relação não apenas com a Geral, mas também com a especulação imobiliária, os piscinões, o sambódromo, as linhas de ônibus racionalizadas e tantos outros exemplos diários da nossa cidade.
É sobre isso também que trata Geraldinos, documentário de longa-metragem que entrou em cartaz na quinta-feira, 5 de maio, no Rio de Janeiro.
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