Descrita como "zona de sacrifício", baía sofre com descontinuidade de gestão. Plano de Desenvolvimento Sustentável concluído em 2013 mostra poucos resultados.
Inserida numa bacia hidrográfica que se espalha por doze municípios, a baía de Sepetiba se vê em meio a uma confusão administrativa. As dificuldades de diálogo entre os responsáveis pelos grandes empreendimentos e os habitantes da região são acentuadas pela descontinuidade de programas de gestão compartilhada da baía.
Uma situação que é agravada pela crise que afeta alguns municípios, cujos governantes perderam legitimidade e deixaram a região numa espécie de vazio político. Por exemplo, o prefeito de Mangaratiba foi preso no começo deste ano por suspeita de desviar R$ 10 milhões; o prefeito de Seropédica é investigado por suspeita de participar de um esquema de corrupção com empreiteiras em 2013; e o prefeito de Itaguaí foi afastado do cargoem março deste ano.
Em meio às turbulências, jaz esquecido o Plano de Desenvolvimento Sustentável da baía de Sepetiba (PDS), elaborado em 2011 a pedido do Instituto do Ambiente (Inea) e a partir de um contrato entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Consórcio Chuo Kaihatsu Corporation (CKC) e a Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos (Cobrape). O objetivo era "propor (...) o conjunto de ações necessárias para construir a estratégia de desenvolvimento sustentável da baía".
O PDS abrange 15 municípios (três a mais do que a bacia hidrográfica) que ocupam três mil quilômetros quadrados. O ordenamento territorial da região e a participação da sociedade civil são pontos prioritários. Segundo o site do PDS, uma das metas é a "mudança do Paradigma de Zona de Sacrifício para Desenvolvimento Sustentável".
A expressão "zona de sacrifício" costuma ser usada por pesquisadores que estudam a região, onde atuam mais de 400 indústrias, vários portos e um estaleiro naval da Marinha. É o caso da economista Veronica Brito, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autora de uma tese sobre a região. "Se nada for feito, a tendência é que ela se torne um polo siderúrgico e portuário, e a parte ambiental seja estéril", avalia ela.
A conclusão do plano foi apresentada em janeiro de 2013, num encontro que reuniu representantes do INEA, do Cobrape, da Cedae, pesquisadores e o Comitê Guandu. Além disso, poucas informações estão disponíveis on-line — o site do plano elaborado pela Cobrape não está completo e parece ter sido atualizado pela última vez em 2013. O domínio sepetiba.cobrape.com.br pede login e não fornece qualquer outra informação.
Procurado pelo Vozerio no início desta semana para comentar sobre o PDS, o Inea ainda não comentou o assunto.
"O plano está adormecido, não houve continuidade", avalia Verônica. Para a economista, o PDS poderia ser um ponto de partida interessante na gestão sustentável da baía. "Ele leva em conta o que já foi feito na região nas décadas anteriores e oferece um modelo de governança que integra as esferas locais, estadual e federal", explica.
Hoje, a baía está inserida no escopo do Comitê Guandu, responsável pela bacia hidrográfica do rio Guandu, Guandu Mirim e da Guarda. Dada a multiplicidade de questões urgentes, contudo, o Comitê tem focado mais no saneamento da região. "Não temos ação direta sobre a baía", declarou Décio Tubbs, diretor-geral do comitê.
Sepetiba versus Guanabara
Enquanto isso, a baía de Guanabara tem recebido investimentos de revitalização desde a década de 1960. Só para as Olimpíadas de 2016, haviam sido previstos R$ 2,5 bilhões de reais para a baía, mas o governo estadual limitou esses investimentos para R$ 114,48 milhões.
Ainda assim, em maio deste ano foi aprovada a criação de uma Comissão Especial da Baía de Guanabara, proposta em março pelo deputado estadual Flavio Serafini (PSOL/RJ). Entre outros objetivos, a Comissão quer incentivar a colaboração dos vários municípios situados no entorno da Baía.
Além de uma comissão especial e milhões de reais em investimentos, há outras diferenças importantes entre as baías de Sepetiba e da Guanabara. Segundo o biólogo Mario Moscatelli, situação atual de uma pode nos ajudar a cuidar melhor da outra. "O que não podemos é repetir os mesmos erros que cometemos com a Guanabara", sintetiza Mario.
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