O que é possível comprar com R$ 20 nos trens cariocas? O Vozerio fez o teste em uma viagem pelo ramal de Santa Cruz, um dos mais movimentados da malha ferroviária.
Balas, doces, utensílios domésticos, produtos de beleza, produtos eletrônicos, comestíveis de fabricação caseira... Esses são apenas alguns dos produtos que os passageiros dos trens urbanos do Rio podem comprar nos trajetos de ida e volta do trabalho. Com pregões criativos e preços muito abaixo do valor de mercado, os ambulantes fazem sucesso dentro e fora dos vagões e já fazem parte da cultura do trem.
Durante uma viagem pelo ramal Santa Cruz, que transporta cerca de 100 mil passageiros por dia, o Vozerio experimentou o que é possível comprar com R$ 20. Entre a Central do Brasil e a estação de São Cristóvão — a primeira onde param os trens expressos —, mais de vinte ambulantes passaram pelo vagão, oferecendo os mais variados produtos.
“No ramal Japeri custa R$ 15 ou R$ 10, mas agora vou fazer uma promoção pra vocês, pra acabar com o estoque. O preço agora é R$ 7!”, gritou um jovem de boné, que carregava uma mala enorme cheia de fones de ouvido. De início, os passageiros olharam com desconfiança. Alguns pediram pra testar o produto e logo começaram a comprar.
“Não sei se funciona, mas é tão barato que vou arriscar”, anunciou um senhor grisalho, rindo enquanto pegava dois fones para dar de presente aos netos. Em cerca de dez minutos, a mala do ambulante estava vazia, e a pochete em que o jovem guardava o dinheiro, com a inscrição “Deus vê tudo, mas não é X9”, estava lotada. Foram oito vendas só nesse tempo. A frase, aliás, é ostentada nas pochetes de vários outros ambulantes.
No trem, conversamos com a estudante Fernanda Carvalho, que pega o ramal Santa Cruz duas vezes ao dia — e não deixa de fazer compras nem uma vez. "É um perigo estar com dinheiro no trem... Você vai vendo as coisas e fica com vontade de comprar tudo”, conta ela, rindo. Os doces são seus preferidos: "Eu amo chocolate e no trem eles são muito baratos. Já deixo R$ 2 reservados no bolso só pra isso.”
Entre as frases proferidas pelos vendedores para conquistar os passageiros, "por esse preço você não encontra lá fora" é uma das mais ditas. E não é por menos. Com R$ 20, conseguimos comprar um descascador de frutas e legumes (R$ 5), o fone de ouvido (R$ 7), um pacote com duas pilhas AAA (R$ 3), dois chocolates (R$ 2 cada) e dois pacotinhos de amendoim torrado (R$ 1). As compras foram feitas entre a Central do Brasil e a estação de Madureira, em cerca de meia hora de viagem.
A maioria dos ambulantes se conhece pelos apelidos — Jabuti, Ciborgue, Azulão, Gordão do Trem — e segue certas normas de conduta. Se um deles está anunciando seu produto em um vagão — por alto falante ou no grito —, os outros esperam que ele acabe para começarem a vender. Por estarem sempre nas estações, acabam por prestar outro serviço informalmente: a toda hora, os passageiros lhes pedem informações sobre os horários das composições.
Chocolate com IPI reduzido
Nos pregões, os ambulantes não economizam no humor para atrair a atenção dos passageiros. Caso exemplar é Gordão do Trem, um dos vendedores mais conhecidos do ramal Japeri, que aposta na comparação dos preços que pratica com o de outros locais. "Não vem que não tem, quem quer comprar barato, compra com o Gordão do Trem. Mas ele é muito chato, não deixa ninguém dormir. E se ninguém comprar, vai falar até Japeri", canta em ritmo de funk. E completa: "Trago pra vocês um produto de grande porte no cenário nacional, um chocolate de ótima qualidade. Vocês podem levar um por R$ 2 ou três por R$ 5, com IPI reduzido." Veja abaixo um vídeo do Gordão do Trem no auge de sua lábia de comerciante.
“Dentro dos trens, nos nossos anúncios, falamos sobre política, futebol... Tudo o que tem relação com a sociedade”, conta Rogério, de 55 anos. “Falamos sobre esses assuntos para divertir e informar o passageiro e, claro, para aumentar as nossas vendas”, completou o ambulante com uma risada. Rogério começou a trabalhar nos trens quando perdeu o emprego na indústria alimentícia, vinte anos atrás.
“Em geral, os vendedores ambulantes são pessoas que perderam seus empregos e não conseguiram se restabelecer no mercado formal de trabalho”, explica Lenin Pires, coordenador do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF). Em média, os ambulantes ganham cerca de um salário mínimo por mês, realidade não muito diferente do mercado formal para quem não tem pouca ou nenhuma formação escolar. A vantagem que encontram nos trens, dizem, é a possibilidade de escolher o horário e o ritmo de trabalho.
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