2016 chega amanhã trazendo um gostinho (às vezes amargo) de décadas passadas: de leis que passaram na Câmara a inflação recorde, veja legados de 2015 que deixarão o Ano Novo com cara de passado.
( Foto: Comissão vota a definição de família. Lula Marques/Agência PT)

- O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), é autor de vários projetos de lei que dificultam o acesso a aborto legal (foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)
-# Comissão aprova projeto que pune quem ajudar mulher a abortar: Em outubro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 5.069, de 2013, que torna crime contra a vida a indução ou a orientação de gestantes ao aborto. De autoria do presidente da casa, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o projeto também proíbe o uso de métodos abortivos e torna necessário o exame de corpo de delito para a comprovação estupro — dificultando o acesso ao aborto legal. O texto aguarda a votação pelo plenário. Vale lembrar: o aborto é permitido no Brasil em três circunstâncias: risco de morte da gestante, estupro e diagnóstico de feto com anencefalia. Além do PL 5059, outros projetos de lei discorrem sobre o aborto como se ainda estivéssemos no começo do século XX. O PL 1545, de 2011 determina pena de 6 a 20 anos para médicos que realizarem o procedimento; o PL 7443, de 2006, tipifica o aborto como crime hediondo. O autor destes? O mesmíssimo deputado Eduardo Cunha. E há muitos outros: o projeto de lei 5166, de 2005, por exemplo, criminaliza a antecipação terapêutica de parto de feto anencefálico ou inviável. O autor é Hidekazu Takayama (PMDB/PR).
- Estatuto da família: Pouco antes da aprovação do PL 5069, a mesma Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 6583, de 2013, que estabeleceu a definição jurídica de família no Brasil como a união entre homem e mulher. O PL vai de encontro a uma determinação do Supremo Tribunal Federal de 2011, que reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo. O que vai acontecer de fato se o projeto virar lei, contudo, não está claro: alguns juristas dizem que, embora a aprovação não possa suplantar a decisão do STF, ela vai provocar uma disputa jurídica e política e não mudará nada na prática.
- Estatuto do Desarmamento: Em outubro, uma comissão especial da Câmara aprovou uma série de mudanças na lei 10.826, de 2003 — o Estatuto do Desarmamento. As emendas afrouxam, por exemplo, as exigências para compra e porte de armas (não seria mais necessário demonstrar "efetiva necessidade", por exemplo), reduzem a idade mínima para compra de 25 para 21 anos e autorizam determinadas categorias (senadores, deputados, oficiais de justiça etc.) a portar armas. A chamada "bancada da bala" ocupou em peso a comissão que aprovou as modificações. Segundo alguns juristas, as mudanças de fato revogam o próprio Estatuto do Desarmamento, que inclusive mudaria de nome para "Estatuto de Controle de Armas de Fogo". Agora, o projeto de lei segue para o plenário.
- Inflação a dois dígitos: Não acontecia desde 2002, quando a inflação alcançou 12,53%. Pela primeira vez, desde então, a inflação acumulada em 2015 foi além de um algarismo e chegou a 10,48%. A alta nos preços teria acontecido, sobretudo, por causa do ajuste de preços represados pelo governo, após a mudança da equipe econômica.
- Nomeação do psiquiatra Valencius Wurch como coordenador a Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde: Aconteceu em dezembro. Wurch fora diretor da Casa de Saúde Doutor Eiras, em Paracambi, um manicômio particular alvo de inúmeras denúncias de maus tratos a pacientes fechado em 2012. Associações e organizações da área de saúde mental manifestaram-se com contundência, temendo um recesso na política de reforma psiquiátrica, transformada na lei 10.216 em 2001. Em todo o país, houve protestos contra a indicação de Wurch; notas de repúdio e abaixo-assinados circularam pela internet. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), por exemplo, lembrou que Wurch manifestou-se contrário à lei 10.216, declarando ao Jornal do Brasil que seus fundamentos teriam "caráter ideológico, e não técnico". Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a reforma psiquiátrica é uma conquista e que não admite retrocessos na política em desenvolvimento. "A escolha do novo coordenador (...) vem reforçar essa política", afirma a nota.