Promovido pelo Vozerio, primeiro debate ‘Conversas na Biblioteca’ discutiu a nova identidade do carioca: para além dos estereótipos, surge um cidadão da metrópole, antenado, autônomo e capaz de circular por diferentes territórios. Assista aos vídeos.
Natureza exuberante, praias da zona sul, vistas turísticas: a imagem do Rio de Janeiro não é mais a do cartão postal. Foi o que deixaram claro os convidados na estreia da série de debates realizada pelo Vozerio na Biblioteca Parque Estadual, no Centro do Rio de Janeiro. Mediados pela editora Anabela Paiva, Marcus Faustini e Heraldo HB discutiram a atualização da identidade carioca, cada vez mais baseada em um Rio metropolitano, conectado com seus diferentes territórios.
“Eu penso o Rio de Janeiro como uma cidade popular e não uma Cidade Maravilhosa”, disse Marcus Faustini. Nascido no Hospital da Lagoa, mas criado em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e em Santa Cruz, o criador da Agência de Redes para a Juventude brinca que é um ‘pobrestar’. Ele lembrou a dificuldade da sua geração em conquistar espaços numa ‘cidade fechada’, como classificou. “Eu digo que sou da época da intrusão social, não tinha política. Tivemos que inventar esse lugar com disputas, com narrativa, com realização”.
"Eu penso o Rio de Janeiro como uma cidade popular e não uma Cidade Maravilhosa", Marcus Faustini
Numa cidade que recebe diariamente 2 milhões de pessoas de outros munícipios, o reconhecimento da contribuição da região metropolitana para o Rio ganha força. Democracia é mobilidade, defende Faustini. Para Heraldo HB, agitador cultural da Baixada Fluminense, os estereótipos ligados à cultura carioca “silenciam uma construção do Rio que é a soma das diversas pessoas que produzem a riqueza da cidade”. Segundo o criador do cineclube Mate com Angu e do blog Lurdinha, o carioca que habita as regiões mais pobres não aparece na narrativa que a cidade faz de si mesma. As empregadas domésticas, por exemplo, que todo dia circulam da Zona Oeste ou Baixada à Zona Sul da cidade, fazendo a mediação entre estes mundos, são quase invisíveis. A sua subjetividade, sua memória, não existe, lembrou HB. “E se aparece é servindo café”, alfinetou Faustini.
Um dos fatores para a construção de uma imagem limitada do carioca, dizem eles, é a predominância da paisagem cultural e não da presença humana no discurso sobre a cidade. Segundo Faustini, a própria ideia de um “carioca” gerou conflito e resistência: “ela foi excludente e hierarquizou o que é carioca ou não”. Para o autor do Guia Afetivo da Periferia, foi daí que surgiu a vontade de falar, “sou favelado”.
“Mas esse carioca acabou e esse Rio também. Perdeu!”, brincou Faustini, usando a famosa expressão.
Dividindo ‘o bolo do protagonismo’
Para os convidados do debate, intitulado “A invenção do Carioca Metropolitano”, a identidade do carioca contribuiu para uma desigualdade para a capacidade de produção na e pela cidade. Mas, Heraldo acredita que está em curso um processo de transformação da cultura, que segundo ele, não tem mais volta e que vai se tornar hegemônico. “Temos uma molecada e produzindo conceitos, arte, pensamento e eles não estão muitos preocupados com as amarras, não”. Mas, para ganhar relevância, estes novos produtores de cultura terão de ter acesso a incentivos para suas produções e à mídia. “O Rio de janeiro é um hardware poderosíssimo, mas com software proprietário”, lamentou HB.
"O Rio de Janeiro é um hardware poderosíssimo, mas com software proprietário", Heraldo HB
Os dois produtores criticaram os sistemas de financiamento da Cultura. “Inventamos muitos mediadores no Rio”, disse Faustini, para explicar porque o dinheiro não chega “nas pontas”. Para ele, é fundamental o apoio e o fomento do estado para transformar essas iniciativas em ações com grande potência. “Quem vem de origem popular também é protagonista e quer dividir o bolo do protagonismo”, ressaltou. “A potência do Rio de Janeiro está no processo criativo do povo. Mas, o dinheiro dos projetos sociais não chega às pessoas que produzem diariamente”, concordou Heraldo HB.
Heraldo lembrou a importância da circulação na cidade para produzir o contato de ideias e perspectivas. Nos eventos do cineclube Mate com Angu, HB percebe a chegada de grupos da Zona Sul, que vão a Caxias para assistir as produções. “Existe um movimento acontecendo e ele está solapando conceitos antigos. Agora é hora de ousar. Se essa identidade vai ter nome, eu não sei, mas temos que esgarçar essa visão de carioca”. Para Faustini é preciso também acabar com o discurso de medo, de que a cidade é perigosa, pois esta visão “não potencializa esses encontros”.
“Temos uma indústria popular. A favela é ainda tema, tem que ser suporte. Temos que ter produtores de cinema na favela e não um filme sobre a favela”, concluiu Faustini.
Assista os melhores momentos de nossos convidados!
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