O lixão foi fechado, mas o lixo está por toda parte, integrando-se ao cotidiano das crianças — aliás, nunca vi tanta criança na minha vida.
(Foto: Leonardo Toco)
Logo na chegada à favela, após descer da van, minha filha tapa os olhos para se proteger do sol forte. Uma senhora se aproxima e diz, bem-humorada:
— Você está chorando porque nunca viu tanta gente feia?
A moradora, dona América, está ali para participar da festa de Natal na favela do lixão de Jardim Gramacho, organizada pela ONG Corrente Pelo Bem, que luta para minimizar as enormes carências locais. Levei no domingo passado Alice, de 6 anos; minha sogra, Silvia Krutman; e uma amiga dela, Sonia, que é espanhola, para conhecer o trabalho da ONG e o lugar onde funcionou durante anos o lixão de Jardim Gramacho.
O lixão foi fechado, mas o lixo está por toda parte, integrando-se ao cotidiano das crianças — aliás, nunca vi tanta criança na minha vida. Uma moça pergunta se entre os presentes não tem carrinho de bebê. Uma voluntária comenta com outra que ficou com vontade de responder:
— Não, mas vamos trazer pílula anticoncepcional.
A amiga completa:
— Mas não adianta nada a pílula sem trazer junto a educação.
É difícil organizar a multidão em três filas para a entrega de mantimentos, roupas e brinquedos. Natural. Os moradores, que não têm nada, estão naquele momento diante de uma quantidade enorme de presentes. Quem não ficaria ansioso?
Um menininho comenta com uma voluntária:
— Tia, vocês não vão mais querer voltar aqui, né?
— Por quê?
— Porque o pessoal está zoando tudo.
Mesmo com os percalços, as doações são entregues, deixando todos — moradores e voluntários — felizes. Ou quase todos. Um garoto diz:
— Tia, não quero carrinho, não, quero arma.
Naquele dia, várias vans saíram de um ponto na Gávea cheias de voluntários que distribuíram ao longo do dia alimentos, fraldas, sapatos, bonecas, bolas e muito mais. A ONG foi criada pelo advogado Rodrigo Freire, uma das pessoas mais generosas e altruístas que já conheci.
Em Jardim Gramacho, ele me leva para conhecer uma parte ainda mais pobre da comunidade, distante de onde está sendo realizada a festa. Já visitei dezenas de favelas, mas nenhuma com habitações tão miseráveis. Um barraco minúsculo, de um cômodo, abriga uma família inteira. Rodrigo diz que a mãe das crianças reclama que acorda com ratos pulando em cima da cama. Um pequeno ventilador, sem a grade de proteção, fica ao lado de onde todos dormem, com a hélice girando ameaçadoramente.
Uma senhora soropositiva está estirada no chão da favela, num colchonete puído, se abanando em meio ao calor e às moscas. Um grupo de meninos joga futebol com uma garrafa de plástico. Um garoto enche uma camisinha de ar para improvisar uma bola.
Os moradores reclamam que não há saneamento básico nem água encanada. Uma moça diz que, quando chove, molha tudo dentro de casa. Porcos circulam com desenvoltura junto a gatos raquíticos e um cachorro morto. Cacos de vidro se espalham por todo canto, levando o visitante a se perguntar como as crianças fazem para não viverem com os pés cortados. Em meio a tantos insetos e em tempos de Zika, dá para imaginar o estrago que o mosquito pode fazer, já que fumacê não funciona e não há repelente. Perto dali, a Refinaria Duque de Caxias, a Reduc, solta toneladas de poluentes que devem provocar toda sorte de alergias respiratórias nos moradores. Rodrigo diz:
— Já venho aqui há cinco anos, e é sempre um soco no meu coração.
Dele e de cada visitante daquele pedaço do Grande Rio esquecido pelo poder público.
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