O OsteRio sobre "Política, Partidos e Participação cidadã", no dia 1º de dezembro de 2014 ", trouxe a discussão sobre os rumos do debate político. Das manifestações de junho de 2013 às eleições de 2014, fica a pergunta: como participar ativamente da vida política nos dias atuais?
Sala lotada, debate quente. O OsteRio sobre "Política, Partidos e Participação cidadã" ficou como reflexão para os que estavam presentes. O burburinho no final do evento comprovou a empolgação da plateia e dos convidados com a discussão sobre os rumos do debate político. Das manifestações de junho de 2013 às eleições de 2014, fica a pergunta: como participar ativamente da vida política nos dias atuais?
A internet como palco de discussões, o hiato entre a vontade de participar da vida política e os canais para isso aconteça; a crise do sistema partidário e a política no Rio de Janeiro foram pontos altos da discussão, no evento realizado no dia 1º de dezembro de 2014, com a participação da jornalista Berenice Seara, do especialista em plataformas digitais, Ronaldo Lemos, e do cientista político, Jairo Nicolau.
Frustrado com a forma que as discussões políticas ocorreram nas redes sociais durante as eleições deste ano, Ronaldo Lemos, fundador do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), disse que o debate online não foi legítimo, e sim insuflado. "O debate eleitoral pela rede se tornou uma experiência extremamente frustrante para quem participou dela. E uma das razões é a promessa não cumprida de que a internet traria um aprofundamento do debate político, de que a internet se transformaria numa nova praça pública, uma nova ágora".
A nossa política é analógica e os partidos se tornaram instituições que não caminham para a democracia
O pesquisador foi um dos formuladores do Marco Civil da Internet, lei desenvolvida a partir de um processo colaborativo de discussão e formulação online. Segundo Ronaldo, o debate para a consolidação da lei sobre os direitos na internet foi acumulativo e baseado em dados. Em contraste, comentou Ronaldo, as discussões online durante a última campanha eleitoral eram verdadeiras brigas de gangues: cercadas de seus seguidores com pensamentos afins, as pessoas brigavam umas com as outras e não permitiam opiniões diversas. "O debate online no Brasil não foi um debate de ideias. Foi um debate mecanicista, agnóstico e pré-fabricado". Questionado por Paulo Magalhaes, pesquisador do IETS, que considerou a análise "etnocêntrica", Ronaldo citou fatos objetivos para justificar esta avaliação.
Um deles é o uso de robôs para gerar discussões. Através da utilização de softwares que obedecem a um comando central, perfis falsos são criados. "Esses perfis geram uma quantidade de informações grande, criando a sensação de que muitas pessoas são a favor ou contra uma ideia", explicou. A segunda distorção é a falta de transparência. Não era claro se a pessoa envolvida nas discussões online "estava agindo como um cidadão interessado no aprofundamento do debate, ou se ela é um preposto de uma ideia que lhe chegou via conexões, sejam partidárias ou financeiras".
Para onde foi o ’vem pra rua’?
Se o debate via redes sociais não deixa memória, como defendeu Ronaldo Lemos, os protestos do ano passado ainda permanecem na mente e nas discussões de muita gente. Após as manifestações de junho de 2013, muitos pensaram que o movimento das ruas iria reverberar nas eleições deste ano, lembrou Jairo Nicolau. Afinal, existe alguma relação entre junho de 2013 e outubro de 2014? Essa é uma pergunta que o professor de ciência política se faz até hoje. Ele acompanhou o movimento de um dos centros de mobilização mais importantes do Rio, o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Segundo Jairo, analisar esses dois acontecimentos é olhar para dois extremos: um, vinculado à política tradicional (as eleições), e o outro, uma forma surpreendente de fazer política (as manifestações). O número de artigos e análises referentes às Jornada de Junho cresce e as "interpretações mudam à medida que o tempo passa", observa Jairo. Para o professor, 2013 marca a entrada na cena política não só de uma nova geração, mas de uma nova forma de mobilização política. Tentado até hoje fazer uma ponte entre os dois episódios, o professor do IFCS afirmou que ainda não percebeu ainda uma conexão clara. Mas, em contato com seus alunos e analisando as manifestações, o que mais impressionou o cientista político foi a recusa da nova geração à política tradicional brasileira.
A crítica acentuada a política tradicional e a todas suas forma de funcionamento, inclusive a partidária, pôde ser percebida, segundo o professor do IFCS, pela "juventude que pela primeira vez queimou bandeiras e símbolos dos partidos". Ao invés do ataque aos símbolos do capitalismo, destacou Jairo, houve uma "marcha para o legislativo, com a ocupação da Assembleia e da Câmara Municipal". O cientista político elencou as duas tentativas de invasão, numa mesma semana, ao Palácio Tiradentes e ao Congresso Nacional, como "simbólicas do desprezo pela política tradicional". Lugares nos quais as constituições de 1946 e 1988 foram formuladas.
A recusa a politica atual, explicou, está ligada à obsolescência dos partidos. "Os partidos brasileiros estão muito distantes da sociedade. Envelheceram e viraram organizações semi-estatais. Eles recebem 400 milhões de reais por ano do Estado". Parafraseando um amigo, Jairo classificou: "A política representativa é do século 19, os partidos como tal o conhecemos - instituições que fazem a intermediação entre cidadão e representantes - são do século 20, e os eleitores, que são de outra tribo, e estão se comunicando de outra maneira, são do século 21".
Em um contexto acelerada inclusão digital, observou, "A nossa política é analógica e os partidos se tornaram instituições que não caminham para a democracia". Para o professor, a eleição deste ano impressiona por ter estabelecido uma agenda muito descolada das propostas de junho e com uma dinâmica de envolvimento e participação própria. Cada vez mais, ele acredita que 2013 permanece como um episódio isolado, com repercussões muito pequenas sobre a vida política posterior.
Política interessa, sim senhor: o hiato entre a vontade e os meios
Titular da coluna "Extra, Extra!", sobre política no Rio de Janeiro e no Brasil, Berenice Seara apresentou a visão do dia a dia e dos eleitores. A jornalista contou que durante o trabalho da coluna descobriu, contrariando estereótipos, os leitores de um jornal popular interessados por política. Com base em pesquisas de opinião, a coluna que a princípio nasceu para a cobertura de variedades, tomou outro rumo definitivo: a cobertura da política local e regional. "Descobrimos que a coluna política era a segunda mais lida, só perdendo para a de celebridades", comentou Berenice.
A comentarista da CBN também criticou a atual cobertura de política dos jornais. Anos atrás, todos os grandes veículos de imprensa tinham jornalistas dedicados a cobrir exclusivamente a Câmara de Vereadores, a Alerj e as sedes dos governos municipal e estadual. "Hoje, os jornais não sabem direito de nenhuma votação importante que esteja acontecendo", observou. Voltados para a política feita na capital federal, os jornais deixaram um vazio na cobertura dos episódios políticos locais.
"Essa vontade de participar que vimos nas ruas e muito bem explicada por Jairo e Ronaldo, vemos na procura dos leitores através de cartas, e-mails: tudo na tentativa de buscar informações que não estão mais disponíveis nos meios de comunicação formais", comentou Berenice. O vazio de informações afeta, principalmente, as cidades da região metropolitana. "Lá, o interesse é maior e o nível de informação é menor, porque a proximidade com os políticos nessas cidades é maior do que na capital", analisou a jornalista.
Os parlamentares não respondem a eles mesmos, que dirá aos cidadãos e muitos menos a nós jornalistas
Para Berenice, a trajetória da coluna é sintomática da percepção do aumento da participação. A jornalista criou um grupo no Facebook há cerca de um mês. "Já estamos com 3500 pessoas inscritas nesse grupo, onde há espaço para comentar e discutir sobre política".
O distanciamento dos partidos comentado por Jairo também foi lembrado por Berenice. "Há um compasso diferente. As pessoas querem participar e os governos não dá meios disso acontecer. Há uma multidão tentando forçar essa porta fechada".
Lições das eleições? Um cenário do Rio
A política do Rio de Janeiro não ficou de fora do debate e das exposições de nossos convidados. Jairo Nicolau avaliou a eleição no Rio de Janeiro como uma das mais impressionantes. "O Rio teve quatro candidatos a governador apoiando o mesmo candidato a presidente. Eu nunca vi isso antes. Quando abrimos as urnas, o Rio teve o recorde brasileiro de votos brancos e nulos para o Congresso desde que a urna eletrônica foi adotada". Essa, inclusive, foi a única conexão que o cientista politico levantou entre junho do ano passado e as eleições, no Rio de Janeiro.
Ainda sim, para Jairo, a política tradicional saiu vencedora. "Nada mais tradicional do que o governador do Rio, por exemplo. Com uma aprovação inicial de 19% conseguiu se reeleger com uma campanha impressionante. E nada mais tradicional que o governo de São Paulo", avalia. Pareceu contraditório, para ele, que nos dois estados em que os protestos foram mais severos, a política tão criticada nos cartazes e gritos pelas ruas saísse vencedora. "Alguns analistas dizem que em 2014 - ainda não tive tempo de analisar isso com calma - nós elegemos a câmara mais conservadora desde 86 pelo perfil político de alguns candidatos como também na composição partidária".
Jairo ainda classificou o Rio como a ’cidade sem partidos’. Para ele não há outro estado ou cidade em que os partidos são tão amorfos e organizam pouco a política. Ele destacou que há pouca participação de grandes partidos como o PT e o PSDB.
Berenice Seara também lembrou o descaso referente a comunicação com os cidadãos. A frustação em participar da vida política é ainda maior - vide os resultados da pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas sobre Lei de Transparência. Enquanto o Governo Federal responde a 69% das perguntas, o Estado do Rio responde a 38% e a Prefeitura, apenas 27%. "Se não conseguimos ter uma resposta a uma pergunta imagina o que chamamos de efetiva nas políticas públicas". Hoje é cada vez mais difícil o requerimento de informações, segundo a jornalista. "Os parlamentares não respondem a eles mesmos, que dirá aos cidadãos e muitos menos a nós jornalistas. Estou há anos tentando descobrir uma resposta para a pergunta ’Quantas vezes foi alugado um jatinho particular para o prefeito Eduardo Paes?’. Ainda não consegui".
Para Berenice, existem muitas barreiras para projetos de participação popular. É o que o novo projeto apresentado por Ronaldo Lemos pretende quebrar. O Plataforma Brasil, idealizado pelo ITS, quer incentivar a participação permanente dos cidadãos na discussão de temas e "na formulação construtiva de políticas públicas. Para acumular conhecimento, definir interlocutores, para gerar mobilização sobre temas chaves, desde já".
Para Ronaldo, o Brasil está se tornando um verdadeiro laboratório mundial de participação democrática. O ITS, inclusive, está formando um banco dessas iniciativas no país."O déficit de participação está tão profundo e as pessoas estão inquietas". O processo de 2013 liberou uma energia e parte dela está sendo canalizada nessa nova articulação, acredita Ronaldo, que espera uma mudança qualitativa para os próximos anos e que no próximo processo eleitoral o debate não seja, como classificou o deste ano, "smart: simplista, mecanicista, anti-histórico, reducionista e tautológico".
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