O Governo do Estado quer implantar parcerias público-privadas na região metropolitana na área de saneamento básico. Na prática, a medida tiraria de vez da mão dos prefeitos o poder de decisão sobre o assunto. Alternativa é vista como uma solução possível para o problema crônico, mas ainda não é unanimidade
Foto: poluição na Baía de Guanabara (Tânia Rêgo/ Agência Brasil)
A Polícia Federal (PF) realizou na manhã desta quinta (7/4) uma ação para apurar denúncias de emissão de esgoto sem tratamento na Baía de Guanabara. Batizada de Feng Shui (filosofia chinesa que prega a relação entre a prosperidade e o equilíbrio na natureza), a operação envolveu o cumprimento de 8 mandados de busca e apreensão por mais de 50 policiais em Belford Roxo, Niterói, São Gonçalo e Rio. Há suspeitas de que uma empresa responsável pelo processamento de dejetos cobra pelo serviço sem prestá-lo de maneira adequada. Procurada, a PF não informou que companhia seria alvo da investigação.
Falhas em saneamento básico são um problema crônico da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). O projeto de lei complementar nº 10, de 2015 (PLC 10/15), que está em análise na Assembleia Legislativa do estado (Alerj), propõe a criação de uma agência executiva metropolitana com autorização para fechar contratos na área com companhias particulares. São as chamadas parcerias público-privadas (PPPs). Proposta como uma solução possível para o drama ambiental, a medida é vista com desconfiança por alguns e como uma possibilidade interessante por outros.
O deputado estadual Marcelo Freixo, do Psol, acredita que a opção pode ter efeitos negativos, já que o Estado não fiscalizaria de perto esse tipo de acordo. "No fim, as empresas tomam sozinhas decisões sobre temas que são do interesse de todas as pessoas", afirma ele. Concordam com Freixo especialistas no tema, como Luiz César Ribeiro, coordenador do Observatório das Metrópoles e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Historicamente, o público tem sido capturado pelo privado nessas situações", diz Luiz.
Até setembro de 2013, cabia ao prefeito de cada cidade escolher como o esgoto daquele município seria tratado. Ele poderia optar por ter uma empresa pública prestando o serviço (como a Cedae) ou ceder a tarefa a um organização particular (como acontece com a Light em relação ao fornecimento de energia). Porém, naquele mês, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) repassou essa responsabilidade aos órgãos de gestão metropolitana (veja breve histórico sobre o tema no fim da reportagem). Desde então, o Governo do Estado vem fazendo um esforço para criar uma estrutura do tipo na RMRJ. A aprovação do PLC 10/15 faz parte desse esforço.
A estrutura proposta pelo Governo do Estado para a gestão da RMRJ prevê a criação de um conselho para a tomada de decisões em relação a temas de interesse metropolitano. Nele, o voto do governador teria peso 30, o do prefeito da capital peso 20 e o dos demais prefeitos peso entre 5 e 1, de acordo com a população do município.
Na prática, isso diminuiria a influência dos chefes de governo das cidades menores sobre temas como mobilidade urbana, por exemplo. "Não queremos uma integração em que a capital e o Governo do Estado fiquem contra os demais municípios", afirma Wellington Menghini, diretor de desenvolvimento econômico da prefeitura de Duque de Caxias e integrante da Câmara Metropolitana de Integração Governamental.
A questão dos pesos se torna especialmente delicada quando o assunto é saneamento básico. Hoje, o assunto ainda está na mão dos municípios. Mas, caso o PLC 10/15 seja aprovado, passaria a ser administrado de forma metropolitana. Os contratos na área deixariam de ser fechados pelas prefeituras, por exemplo. "O desenho para isso ainda está para se fechar. Não há consenso sobre o modelo. Ainda haverá muita discussão sobre o tema", afirma Giovanni Guidone, secretário de Urbanismo, Habitação e Meio Ambiente de Nova Iguaçu.
Wellington lembra que as PPPs não são a única solução possível para a gestão do saneamento básico na RMRJ. "O consórcio é outra possibilidade. Nele, vários municípios se reúnem para captar recursos para uma determinada área. Já fazemos isso em saúde", diz ele. De fato, desde fevereiro do ano 2000, existe o Consórcio Intermunicipal de Saúde da Baixada Fluminense (Cisbaf). O órgão pensa soluções integradas no setor para 11 cidades da região.
Hoje, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) é responsável pelo tratamento de esgoto de grande parte da RMRJ. Empresas privadas como a Águas de Niterói e a Foz Águas 5 administram o serviço em áreas pontuais como Niterói e a Zona Oeste da capital. Por email, a Cedae afirmou que "considera importante e positivo os estudos para levar obras de rede de esgoto à região da Baixada e Leste Fluminense por meio de parcerias estratégicas".
Para Vicente Loureiro, diretor do Grupo Executivo de Gestão Metropolitana (GEGM), a presença da iniciativa privada será decisiva na área de saneamento. "Precisamos de estações de tratamento na periferia da RMRJ para despoluir a Baía de Guanabara. O problema é que isso custa mais de R$ 10 bilhões, de acordo com estimativas. Com o cenário de crise atual, fica difícil para o Estado bancar esse investimento", explica Vicente. Segundo ele, PPPs, concessões e outros tipos de parceria serão cada vez mais presentes na administração pública. "São instrumentos que a gente tem para alavancar recursos", afirma.
Além das melhorias na rede de coleta de esgoto, os munícipios da RMRJ têm outros desafios pela frente. "Mobilidade é o nosso grande nó em Nova Iguaçu. O estado administra as linhas intermunicipais e resolver o problema depende de diálogo", afirma Giovanni. Lá, 39% dos moradores gastam mais de uma hora para ir de casa até o trabalho, de acordo com o Mapa da Desigualdade, desenvolvido pela Casa Fluminense. "O abastecimento de água, a rede de esgoto e o deslocamento casa-trabalho são os três principais gargalos hoje, não só de Caxias, mas de todos os municípios da região", diz Wellington.
Apesar das ressalvas, em geral, a expectativa dos representantes das prefeituras entrevistados por Vozerio em relação ao futuro da integração metropolitana é positiva. "O plano de desenvolvimento metropolitano vai permitir que o crescimento da região seja pensado de forma estratégica", afirma Giovanni. "Vamos poder dizer ao Estado como queremos a RMRJ daqui a 30 anos", diz Wellington.
Como a questão do saneamento básico foi abordada pelos poderes executivo, judiciário e legislativo nas últimas décadas
1988
O artigo 23 da Constituição Federal promulgada em outubro define o saneamento básico como "competência comum de união, estados e municípios", mas não determina quais as responsabilidades de cada uma das instâncias.
1997
O Governo do Estado do Rio aprova em dezembro na Alerj a Lei Complementar nº87, que define o saneamento básico como área de interesse metropolitano
1998
Em setembro, o Governo do Estado cria a outorga da concessão metropolitana de serviços públicos de saneamento básico por meio do decreto nº24.631. A publicação do decreto e da lei complementar no ano anterior levam o Partido Democrático Trabalhista (PDT) a entrar com uma ação de direta de inconstitucionalidade (ADI) no STF, contestando a validade das determinações.
2007
É aprovada a Lei de Saneamento Básico no Congresso Nacional. Ela reserva às prefeituras a responsabilidade pelas concessões de serviços na área, entre outros aspectos
2013
O STF emite decisão definitiva em relação à ADI envolvendo saneamento básico. Ela define a área como sendo de interesse não mais do estado ou do município, mas de um órgão metropolitano independente. "A função pública do saneamento básico frequentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum no caso de instituição de regiões metropolitanas", diz o texto.
2014
Decreto nº 44.905, de autoria do governador Luiz Fernando Pezão, cria em agosto a Câmara Metropolitana de Integração Governamental. Elaborar o plano de desenvolvimento metropolitano, pensar políticas públicas e construir novas formas de governança para a RMRJ são algumas das atribuições do órgão.
2015
O PLC 10/15, que estabelece agência executiva metropolitana e outras iniciativas ligadas à integração da RMRJ, é enviado à Alerj em setembro.
2016
Plenário da Alerj marca votação do PLC 10/15 para 29/3, mas deputados pedem mais tempo para análise da proposta. Data para que tema volte ao plenário não é definida.
A série Desafios na integração da região metropolitana do Rio aborda em três reportagens os obstáculos na implantação de novas formas de governança na região metropolitana do Rio sob o ponto de vista de parlamentares, especialistas e representantes de prefeituras envolvidos no processo.
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Após discussão, deputados não chegam a conclusão em relação à proposta do Governo do Estado; críticas vão da perda de autonomia das prefeituras à falta de participação da sociedade civil