Apesar do consenso de que as polícias brasileiras precisam mudar, propostas do tipo não avançam no Congresso. Para desenvolver e ampliar o debate, a plataforma Mudamos abre para participação pública a discussão de temas levantados pela PEC 51, que vão desde a padronização da formação policial até a desmilitarização.
(Foto: Rogério Santana/GERJ)
Com o maior número absoluto de homicídios no mundo, o Brasil registra em média 143 assassinatos por dia. A situação é alarmante, e não faltam projetos de lei em tramitação no Congresso que querem, de um modo ou outro, resolvê-la. Para ampliar e avançar o debate sobre a segurança pública no país, foi lançada neste mês a plataforma Mudamos, que pretende coletar opiniões, sugestões e debates sobre a arquitetura institucional das forças policiais brasileiras.
Com consultoria do cientista político Luiz Eduardo Soares, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Mudamos lançou o debate a partir da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 51, apresentada em 2013 pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ). A PEC 51, como é conhecida, propõe atualizações de diversos elementos das instituições de segurança pública — desde a desmilitarização da PM até a padronização da formação de policiais e a carreira única.
"Há várias propostas em tramitação que tratam desses elementos, mas escolhemos a PEC 51 porque é mais abrangente", explica Celina Beatriz, pesquisadora do ITS e coordenadora do projeto. "Nossa ideia é que [a plataforma] inicie um debate propositivo, que não se limite apenas à rejeição da opinião do outro."
A organização das polícias brasileiras é herança da ditadura militar: a Constituição de 1988 não a alterou, tampouco o governo democrático até o momento atual. Entretanto, isso não significa que não há espaço para mudança — pelo contrário. "Há um grande consenso de que é preciso mudar: a polícia está insatisfeita, a sociedade também, os governantes, a mídia...", argumenta Silvia Ramos, pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). "Mas por que não mudamos? Porque a cada vez que se fala em mudar, é preciso pensar em como mudar, em qual sentido mudar etc. E sempre há resistência de alguma parte", afirma a socióloga, que também desempenhará o papel de ombudsperson da plataforma, coletando opiniões e críticas sobre a ferramenta.
Essas "polêmicas paralisantes", nas palavras de Silvia, impedem o avanço da discussão — e da mudança. "Por exemplo, é preciso mexer nas carreiras de policiais, mas sempre há um setor que diz não", explica a socióloga. Para ela, a Mudamos permitirá um debate mais produtivo porque todos poderão falar e ser ouvidos. "Garantir que isso aconteça é meu papel como ombudsperson", afirma.
Para participar da plataforma, os interessados devem se cadastrar no site e escolher os temas sobre os quais querem opinar. Após o ciclo de participação — que terminará em fevereiro de 2016 —, a discussão de cada tema será sintetizada numa relatoria, elaborada a partir das propostas feitas pelos usuários da plataforma e da análise de especialistas. O documento então será disponibilizado ao público e entregue a gestores públicos.
Renovação da Plataforma Brasil
Vale lembrar que a Mudamos começou, na verdade, com outro nome: Plataforma Brasil, lançada no começo deste ano com o mesmo objetivo de ampliar a participação política dos cidadãos. O primeiro tema debatido pela plataforma foi a reforma política, e o projeto está agora na fase final de relatoria.
"[A Plataforma Brasil] foi uma boa experiência, um projeto piloto com o qual conseguimos aprender", avalia Celina. "O maior desafio é fazer com que as pessoas se engajem na discussão e comentem. Uma coisa é curtir, outra é sentar e escrever algo mais aprofundado. Entendemos que engajamento on-line requer engajamento off-line."
A Plataforma Brasil virou Mudamos por decisão estratégica: o primeiro nome, segundo Celina, passava uma noção de um site governamental, e de fato há outras iniciativas públicas homônimas. Contudo, não foi apenas o nome que se alterou: a Mudamos implementou algumas especificidades novas, como a possibilidade de comentar com pseudônimos. "Isso é importante nesta discussão de segurança pública porque muitos policiais não podem fazer críticas à instituição", explica Celina.
De fato, segundo as transgressões listadas no regulamento da Polícia Militar do Rio, por exemplo, está o ato de "publicar ou contribuir para que sejam publicados fatos, documentos ou assuntos policiais-militares que possam concorrer para desprestígio da Corporação ou firam a disciplina ou a segurança".
Para Silvia, a plataforma surge num momento importante para a justiça criminal no Brasil. "A ’bancada da bala’ no Congresso está se mexendo, conseguindo alterar para pior o estatuto do desarmamento", lembra a socióloga. "O momento é este, precisamos tomar para nós a tarefa de avançar nessa discussão."
Atualização: até as 17h25 do dia 3/11, esta matéria dizia que o cientista político Luiz Eduardo Soares era o coordenador da plataforma Mudamos. Soares, contudo, é o consultor, e a coordenadora é Celina Beatriz, pesquisadora do ITS.
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