Debate na Biblioteca Parque Estadual reúne engenheiro e realizadores de cinema para conversar sobre poluição e redução das águas do rio que abastece 9 milhões de pessoas da Região Metropolitana do Rio [Foto: cena do filme "Paraíba do Sul: O filme", de Bebeto Abrantes].
As águas do rio Paraíba do Sul, manancial que abastece cerca de 9 milhões dos habitantes da região metropolitana do Rio de Janeiro, estão carregadas de ameaças. A baixa nos níveis dos reservatórios, provocada por escassez de chuvas, levou o Secretário Estadual do Meio Ambiente, André Côrrea, a afirmar que o Rio de Janeiro vive a “crise hídrica mais grave de sua história”. Pelo menos 12 barragens de rejeitos tóxicos estão no curso das águas do rio. 600 milhões de litros de esgoto são jogados diariamente na bacia, e vários trechos dela estão assoreados, inviabilizando atividades econômicas e destruindo o meio-ambiente.
Um desastre da mesma gravidade do rompimento da barragem de Mariana poderia acontecer no Paraíba do Sul? Qual é o estado atual do rio que abastece o Rio? Quais são seus principais poluidores? O que o poder público pode fazer para aumentar nossa segurança hídrica – e o que vem fazendo?
Para conversar sobre questões como estas, o Vozerio convidou três pessoas cujo trabalho envolve o Paraíba do Sul para um debate realizado nesta terça (15/12), na Biblioteca Parque Estadual. De um lado, o cineasta Bebeto Abrantes e a produtora Juliana Carvalho, que estão terminando as gravações do documentário Paraíba do Sul — O filme. De outro, o engenheiro Paulo Carneiro, do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ.
O encontro entre um especialista em recursos hídricos e pessoas que tratam do tema de forma artística permitiu ao público conhecer aspectos técnicos e humanos do rio que abastece 17,6 milhões de pessoas nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em que Carneiro apresentou, de forma concisa e clara, problemas relacionados à gestão do Paraíba do Sul, Abrantes e Carvalho ilustraram suas falas com imagens do filme, dando vida aos dados trazidos pelo engenheiro.
Isto aconteceu, por exemplo, na explicação da poluição do rio. Segundo Carneiro, a maior parte dos poluentes do Paraíba do Sul são orgânicos, isto é, não provêm de atividades industriais, mas sim de esgoto. “A poluição química, ao menos para as grandes atividades industriais, não é tão danosa quanto os dejetos orgânicos. As 80 maiores indústrias da bacia, que resumiriam 90% da carga poluidora, estão regularizadas. Por outro lado, os níveis de tratamento de esgoto sanitário são muito aquém do que deveriam ser”, disse o engenheiro.
Foi possível ver o despejo de esgoto em algumas das imagens trazidas por Abrantes. Em uma delas, na cidade Jacareí, em São Paulo, um pescador captura peixes metros abaixo de uma torrente de dejetos. “A bem da verdade, o pescador disse que estava ali para conseguir iscas para peixes maiores”, disse o cineasta. “Não temos certeza disso, mas, de qualquer maneira, o impacto do esgoto doméstico em Jacareí começa a ter proporções assustadoras”.
Em relação a barragens, Carneiro explicou que a pior situação é no trecho da zona da mata mineira, em afluentes do Paraíba do Sul como o rio Pomba e o rio Muriaé. “Naquela parte, há situações de barragens de rejeitos, como em Mariana”, disse. “As atividades minerais que ali acontecem geram um rejeito aquoso: uma quantidade enorme de água é misturada com rochas que vão sendo destruídas. As substâncias químicas que se misturam, sobretudo o ferro, precisam ser contidas em barragens. E, onde há esse tipo de barragem, é sempre uma bomba-relógio”, afirmou.
Uma das imagens mais impressionantes trazidas por Abrantes e Carvalho foi a de uma montanha de rejeitos de ferro a poucos metros do rio, posta ali pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda (foto de capa). “Falamos em Mariana, mas existe uma calamidade cotidiana e invisível que é muito grave. Os rejeitos de ferro caem o tempo todo na margem do rio”, afirmou Abrantes. A denúncia foi corroborada por Carneiro: “Não sei como o Inea permite este tipo de coisa. Esta montanha não faz um impacto como em Mariana, mas esses rejeitos vão paulatinamente contaminando rio”, disse o engenheiro.
Em relação à crise hídrica, um dos problemas apontados pelos debatedores foi a devastação da mata atlântica no Vale do Paraíba, ocorrida sobretudo durante o ciclo do café, entre 1800 e 1930. A destruição da vegetação tem consequências graves que perduram até hoje:
“Bacias hidrográficas funcionam como esponjas: conforme a água vai escorrendo, ela vai acumulando. A vegetação faz isso: é ela que permite que um nível de base nas nascentes seja mantido em um período seco”, afirmou o professor da Coppe. “Quando se devasta uma bacia hidrográfica, essa capacidade de armazenamento vai sendo perdida”.
Em relação a soluções, Carneiro disse que não há como resolver o problema senão pensando a longo prazo, ao invés de se procurar soluções rápidas e fáceis. “O plano de recursos hídricos da bacia do rio Guandu propõe investimentos de R$ 16 bilhões. Do ponto de vista normativo, ele é muito bem desenhado, considerado um dos mais avançados do mundo", disse. "Isso, entretanto, de pouco adianta, porque as instituições brasileiras não incorporaram novas ferramentas de planejamento. Para que o plano fosse implementado, o planejamento deveria ser incorporado em planos plurianuais, o que não acontece. Qualquer governante quer deixar sua marca. Temos que repensar essas práticas, porque bacias como essa estão abandonadas”.
Para que essas práticas sejam mudadas, a produtora Carvalho propôs que em primeiro lugar a população tome consciência de que a água consumida na região metropolitana provém de fontes muito distantes: "O Rio dá a ilusão de ser uma cidade com muita água. Na verdade, contudo, é uma cidade com muita água salobre e salgada. A água doce é escassa", disse ela.
Abrantes também propôs que a população se mobilize em torno do problema: “O Paraíba do Sul é um rio anônimo, e tem que virar um rio pop – pop no sentido de popular, que deve ser tratado com alegria, reverência e reconhecimento do seu valor”, disse o cineasta. ”Até o São Francisco é mais pop do que o Paraíba do Sul. É impressionante como viramos as costas para os rios – os vemos como depósito, aquilo que pode levar o que essencialmente não queremos aqui”.
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