No início de março, Duque de Caxias foi ocupada por mulheres, rock e arte urbana. Era o Roque Pense, festival de música que pela terceira vez leva a discussão sobre feminismo na Baixada Fluminense. Conversamos com Giordana Moreira, produtora do evento desde sua primeira edição, em 2011, para entender melhor a relação entre feminismo, Região Metropolitana e rock’n roll.
Nós começamos com um fanzine. Não se chamava Roque Pense ainda, mas Let’s Pense, e falava de educação não sexista. O “Pense” é uma abreviação de “Por uma Educação Não Sexista”. Mas a Baixada tem uma tradição muito grande de rock’n roll: tem público, história, bandas etc. E aí incluímos esse debate sobre gênero do Let’s Pense no universo do rock. No final de 2011, ocupamos a Praça do Skate de Nova Iguaçu, um local tradicional da cultura alternativa e ponto de encontro da juventude. Colocamos uma bateria no chão e começamos a realizar o Roque Pense, um show de bandas de rock. A diferença é que tinha que haver mulher tocando – podia ser no mínimo uma mulher tocando no palco. Essa ideia agregou várias pessoas.
A Baixada merece um festival de rock, e nesse caso é um festival de rock feito por mulheres e protagonizado por elas
O primeiro grande festival, no qual recebemos bandas de todos os estados e atividades de cultura urbana com mulheres protagonistas aconteceu em 2012. Nesse ano, várias pessoas foram chegando, e hoje somos um coletivo formados por sete produtores culturais da Baixada ou que trabalham diretamente na baixada. Já estamos na terceira edição do festival, com essa ideia de colocar a mulher como protagonista tanto do rock quanto da cultura urbana. A nossa ideia é um festival maior que agregue outras bandas, outras vertentes culturais, a pintura de rua, o grafite, o audiovisual, o skate. Fazemos também uma competição feminina de skate. A Baixada merece um festival de rock, e nesse caso é um festival de rock feito por mulheres e protagonizado por elas.
Esse universo do rock e das culturas de rua de maneira geral é um universo protagonizado por homens. As mulheres também participam, mas sempre como coadjuvantes. E a isso se soma também o cotidiano dessas próprias mulheres. Elas são cobradas de frequentar espaços públicos de formas diferenciadas. Sair para grafitar com os amigos na rua, sair para andar de skate são atividades diferentes para a mulher. Dedicar-se à arte e à música é uma questão diferente, porque se atribuem outras responsabilidades à mulher: filho, família, um comportamento específico. É perigoso andar muito tarde e sozinha à noite, temos que tomar cuidado com certas roupas ou certas companhias. Isso acaba afastando a mulher desse ambiente público de cultura urbana. Por isso é importante que a gente destaque, promova um intercâmbio e fale sobre essa desigualdade de gênero presente na sociedade como um todo – e também no rock, na cultura de rua.
O efeito de inserirmos o debate de gênero nesse universo é que surgem várias outras iniciativas. Não por causa exatamente do festival, mas o tema está sendo debatido. Temos visto muitas iniciativas de outras mulheres de participar, de montar banda. Muitas mulheres já montaram banda só para tocar no Roque Pense. Além disso, muitas procuram a gente para pedir ajuda no caso de alguma situação de violência. Outras pessoas, que não sabem que certas atitudes, certos comportamentos contribuem para a cultura machista, descobrem isso nos debates que promovemos. Os próprios homens e mulheres que têm um entendimento equivocado sobre o que é feminismo passam a conhecer um feminismo possível de ser realizado ali, na rua, a partir do momento em que um festival promove esse cenário. Além disso, também estamos na mídia, conversando com instituições, empresas e parceiros. Para nós, o impacto do Roque Pense é muito grande, e já estamos na terceira edição.
A rede da Baixada está muito forte, muito ativa, e cada vez mais somos maiores em quantidade e qualidade. Este mês [março], a Baixada é toda feminista: o Sarau RUA, o Buraco Feminista e outros eventos estão abordando esse tema, cada um à sua maneira e à sua forma.
A Baixada sempre teve uma tradição nos movimentos culturais, mas agora existe um cenário artístico cultural muito latente, tanto em quantidade quanto em qualidade: saraus, cineclubes, bandas, festivais. Cada vez mais iniciativas têm surgido, e nós estamos nos colocando sem medo como um polo cultural do estado do Rio. Sempre fomos, mas agora estamos conseguindo aos poucos o reconhecimento da população de que aqui é um lugar de arte e cultura.
As pessoas da capital e de outros lugares do Grande Rio podem vir para a Baixada se divertir. Acontece que há muito o estigma do lugar pobre, onde não há nada de qualidade, de lugar violento. Nós estamos mostrando que há uma cultura na Baixada que pode ser consumida. Quem está em busca de novos movimentos e novas estéticas precisa vir para a Baixada para falar de cultura feminista.
Os gestores públicos têm uma visão muito retrógrada do que significa construir cultura
É ruim. Sempre foi e está cada vez pior. A ocupação de espaços públicos na Baixada é algo muito complexo, embora devesse ser simples ocupar a rua com arte e cultura. Encontramos uma postura muito retrógrada por parte do governo. Embora o Ministério da Cultura aponte um diálogo entre movimentos culturais e gestão pública como passo fundamental para a construção de políticas públicas e fortalecimento da identidade nacional, na Baixada não é assim. Os gestores públicos têm uma visão muito retrógrada do que significa construir cultura.
Acham que cultura é evento, e a gente sabe que não. Então nosso movimento está muito além na discussão e não consegue um diálogo satisfatório com as gestões locais porque elas não nos veem como capazes, tanto de gerar renda quanto de construir uma estética e um posicionamento, uma identidade cultural para a região. Eles não dialogam e, com isso, acabam prejudicando nossas ações. Por exemplo, quando não liberam um termo para ocuparmos um espaço público, quando não agem com transparência e competência na gestão e na capacitação de recursos públicos de cultura. O dinheiro existe, mas não chega a essa grande rede de cultura da Baixada Fluminense. A gente precisa de dinheiro porque já tem profissionais, já tem público, já tem artistas que possam transformar isso na identidade cultural da região, que possam transformar a vida das pessoas. Só falta a gestão pública cumprir com a parte dela.
Vou falar pelas roqueiras. Se você veste uma roupa típica da estética do rock, você é tratada de uma forma. Se você sai num bairro da Baixada cercado de padrões religiosos, é uma diferença muito grande. Você vai ser atacada de uma forma muito diferente. Acho que na Baixada a menina precisa ter um horário de voltar para casa porque não tem ônibus suficiente para transportar as pessoas com segurança, ainda menos no caso das mulheres. Além disso, a mulher periférica é mais invisível por ser da periferia. Discutir o feminismo é algo muito diferente nessa região. O Roque Pense está pensando nessa mulher.
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