Enquanto mudanças profundas na legislação eleitoral estão sendo votadas no Congresso com uma rapidez que tem sido denunciada por parlamentares, um outro processo de discussão da reforma política está em curso na internet. Liderada pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), a Plataforma Brasil é uma iniciativa que pretende construir propostas para mudar o sistema político de forma colaborativa. Nesta entrevista, Kalinca Copello, pesquisadora do ITS, explica como tem sido a participação dos usuários na plataforma, que já está na segunda fase.
O processo está em curso porque ele tem sido feito a toque de caixa. Inclusive, algumas votações foram realizadas até de forma inconstitucional, como a que aprovou o financiamento privado de campanha – que rompeu com todos os ritos democráticos da Câmara. Quando iniciamos esse ciclo da Plataforma Brasil, não sabíamos que o processo ia acontecer com essa rapidez. Ao mesmo tempo, não podemos acelerar um processo que demanda deliberação e tempo. E na verdade, por incrível que pareça, a maior parte dos temas que estão sendo tratados na Plataforma não estão no escopo dessa reforma política aprovada pela Câmara. A maioria deles está relacionada à transparência, à participação e uso da tecnologia.
A intenção da Plataforma é trazer toda a discussão, engajamento e envolvimento político que vemos no Facebook para um ambiente que permita deliberação e a construção de algo. Nas discussões durante o período eleitoral do ano passado [2014], aprendemos que as redes sociais como o Facebook – superusado naquele momento – não funcionam para um debate de fato, no qual as pessoas entendam o ponto de vista umas das outras e debatam na intenção de construir alguma coisa de maneira colaborativa. A Plataforma surgiu para criar um espaço de discussão e construção de políticas públicas.
O Facebook utiliza uma série de algoritmos que faz com que a visualização de conteúdo seja filtrada. Então, normalmente aparecem para você as coisas pelas quais você se interessa e de que gosta. Se você tiver uma visão política ou uma afinidade com um partido político, raramente vai ter acesso a visões diferentes da sua. É como se você estivesse pregando para pessoas já “convertidas”. Além disso, o Facebook não oferece uma memória da discussão. Esse formato não é próprio para uma deliberação, e não pretendia ser, mas foi um uso que acabamos atribuindo a ele. É um encaminhamento natural dessas ferramentas. Ao mesmo tempo, no momento polarizado em que estamos vivendo, as pessoas estavam apenas replicando memes na rede. Configurou-se o que chamamos de uma “guerra de gangues”. Nada se construiu ali: todas as mobilizações – mesmo as de rua – não chegaram à construção de uma agenda ou de uma política pública.
O primeiro ciclo da Plataforma Brasil trata da reforma política no século XXI, que é um tema de interesse de todos. Usamos um software livre chamado All Our Ideas, que inclusive foi aplicado em outros projetos em Princeton. Ele se baseia em um algoritmo muito interessante, que sempre mostra duas opções aleatórias para uma pergunta que fazemos. O usuário prioriza uma determinada opção em relação à outra. O software permite pular uma opção ou acrescentar uma opção que, na opinião do usuário, deveria estar presente. As primeiras opções que tínhamos ali eram sobre a reforma política institucional do século XXI, que incluía desde a reforma tradicional – sistema eleitoral, financiamento de campanha – até temas relacionados à participação e ao uso de tecnologias. Por isso falamos em reforma política do século XXI, porque a intenção é falar também da participação através de outros canais. Não adianta discutir reforma política do século XIX.
Achamos interessante que a maioria dos temas priorizados não tinha relação com a reforma política tradicional, mas sim com participação e transparência. Alguns temas envolviam financiamento de campanha, que é o assunto quente do momento. Assim, a partir dessas prioridades escolhidas por eles, criamos cinco fóruns de discussão. Quatro deles são focados basicamente em uso de tecnologias, transparência e participação; outro fala sobre financiamento de campanha. As perguntas que estão hoje nesses fóruns tiveram origem na priorização realizada pelos usuários na fase 1. Iniciamos com cerca de 60 perguntas e, no final, tínhamos por volta de 90 – muitas delas vindas dos próprios usuários.
Temos dois tipos de monitoramento. Um deles é mais voltado para a estrutura, com uma equipe que responde a todas as perguntas sobre tecnologia, mas também monitora se o usuário está respeitando os termos de uso – se houve ameaça ou palavra de baixo calão. A outra equipe faz o monitoramento dos números, acompanha o crescimento das participações e em quais segmentos precisamos focar. Quanto às manifestações negativas (xingamentos, ameaças etc.), vemos isso mais na nossa página do Facebook ou em perfis de pessoas que postaram sobre a Plataforma, de diferentes partidos. Chamam a gente de “petralha” ou “coxinha” – depende do ambiente (risos). Alguns falam que a reforma política é uma enganação. Dá para ver que a maioria das pessoas que critica sequer entendeu o projeto ou entrou lá para conhecer. São pessoas que estão com raiva e vão para o Facebook com a intenção de se manifestar, em vez de fazer alguma coisa ou participar de algo. Manifestar raiva é fácil, construir qualquer outra coisa é complexo, certo?
Nessa fase acontecem as discussões nos cinco fóruns temáticos. Então, esperamos que ali as pessoas tenham a oportunidade de participar das discussões, comentar sobre a opinião de outros usuários. O IESP (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) tem o papel de compilar essas discussões e criar um documento – um rascunho que depois vamos abrir para o publico novamente, na terceira fase. Normalmente, as opiniões mais comentadas pelos outros usuários ficam no topo da discussão. Há também a questão da pluralidade: quando você entra na plataforma, pode escolher uma tag setorial – ou seja, pode se definir como governo, academia, setor privado, ONG, organização da sociedade civil ou cidadão comum. Quanto mais houver participação de setores diferentes em determinada discussão, mais no topo ela fica. Porque a intenção é justamente esta: reunir pessoas de diferentes setores numa mesma discussão.
Na terceira fase, apresentamos o rascunho de uma política publica. É um documento que vamos construir para dizer: “olha, foram discutidas essas questões e foram propostas estas soluções ou mudanças”. É o que no inglês se chama political briefing: um documento pequeno no qual se compila todo o mapeamento que se fez do setor, as dificuldades e problemas, e apresenta soluções. Quando for finalizado, vamos entregar esse documento aos elaboradores de políticas públicas e dizer: “este é um documento construído de forma colaborativa e participativa”.
A nossa constituição diz que o poder emana do povo. Esse é o precedente para participação, embora nunca tenha acontecido de fato. Existe uma série de canais antiquíssimos de participação social, mas nunca existiu um grande engajamento para a população chegar a esses canais. A mobilização pela participação tem crescido, e não só no Brasil. As pessoas no mundo todo têm se engajado em busca de alternativas para expressar sua voz política, para participar de certos processos de tomada de decisão. A tecnologia vem para ajudar nesse processo. Em relação ao documento produzido na Plataforma, nós não temos, como sociedade civil, maneiras de garantir que aquele documento vai ser implementado, pois não somos governo. O que podemos fazer é exercer uma pressão politica, fazer um movimento para que ele seja levado em frente.
Só se houver demanda. Esses ciclos demandam financiamento, não só para o desenvolvimento da tecnologia, mas para toda uma equipe. Temos investimento para um próximo ciclo, que provavelmente será sobre segurança pública. Mas só o faremos se houver essa demanda. De qualquer maneira, a memória desse primeiro ciclo fica lá, aberta para acesso.
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