A crise da saúde atual é uma das mais graves já enfrentadas pelo Rio. Seus principais sintomas são as deficiências no atendimento, a falta de remédios e equipamentos nos hospitais e os atrasos no pagamento dos médicos. Mas os problemas do setor, que afligem cariocas e fluminenses, são uma moléstia crônica no estado e município. Nos
últimos anos, não faltaram momentos em que a saúde do Rio esteve na UTI.(Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)
Na origem das crises recorrentes na saúde, está a escassez de dinheiro para o setor, diz Pablo Vazquez, presidente do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro). Ele destaca que no colapso atual houve possibilidade real de fechamento de todos os hospitais e emergências do Estado. "Isso esteve na iminência de acontecer ano passado e só não ocorreu porque buscamos ajuda junto ao governo federal", conta o médico. Pablo afirma que o Rio tem uma rede pública maior do que a de outros estados, mas com poucos recursos para que as unidades se mantenham em funcionamento. "A saúde no Rio é um copo cheio que transborda com qualquer gota a mais", resume ele. Confira a seguir alguns desses episódios críticos:
O cancelamento dos contratos de terceirização de sete hospitais estaduais era a prioridade na área de saúde do primeiro governo de Anthony Garotinho. Os acordos haviam sido firmados no último semestre de Marcelo Alencar à frente do Estado, com a intenção de modernizar o atendimento e motivar os médicos por meio de melhorias salariais. Ao anunciar a medida, em janeiro de 1999, Garotinho disse em entrevista à Folha de S. Paulo: "Se a qualidade do serviço cair na troca da gestão, cairão sobre nossos ombros as responsabilidades". Dois meses depois, a falta de profissionais fez o hospital Getúlio Vargas viver um dia de caos em 29 de março. Os médicos cruzaram os braços após passarem três meses sem receber por conta da mudança na administração. Um aviso na emergência da unidade informava que só seriam atendidos pacientes com risco de vida. Médicos da PM tiveram de ser convocados para trabalhar no local. Em abril, um pacto entre Estado e prefeitura repassou ao Município a responsabilidade de gerir os hospitais Rocha Maia, Carlos Chagas e Getúlio Vargas.
Em 30 de agosto de 2003, o Jornal do Brasil noticiava que o Interferon e outros medicamentos usados no tratamento da hepatite C estavam em falta nas farmácias do Estado havia pelo menos dois meses. No mesmo dia, O Globo informava que dois tomógrafos de última geração se encontravam parados no Instituto Estadual de Cardiologia Aloísio de Castro, no Humaitá e no refeitório do Hospital Getúlio Vargas. O Governo do Estado do Rio de Janeiro alegava não ter dinheiro para instalar os equipamentos. Porém, quatro dias depois, o Ministério Público acionou a governadora Rosinha Garotinho por usar recursos do Fundo Estadual de Saúde em programas sociais, como Restaurante Popular e Cheque Cidadão. Como resposta, ela encaminhou à Alerj um projeto de lei que tornava legal a manobra fiscal. A proposta de Rosinha chegou a ser aprovada na casa numa primeira votação, mas foi vetada por uma liminar. "É conhecida de todos a situação deficiente dos hospitais públicos, sendo desnecessárias considerações sobre a falta de equipamentos, falta de atendimento médico e falta de conclusão de obras de unidades hospitalares", afirmava a juíza Georgia Vasconcellos em sua decisão.
O fechamento das emergências dos hospitais Cardoso Fontes e do Andaraí foi o estopim da crise na saúde de ’2005’. As unidades federais estavam sendo administradas desde 1999 pelo município, que alegava falta de verbas prometidas pela União para manter os espaços em funcionamento. Segundo o Governo Federal, o problema nos repasses era causado pelo descumprimento de metas previstas em um acordo firmado entre Brasília e a prefeitura carioca, em 1999. "A situação é catastrófica", afirmou na época um dos diretores do hospital Cardoso Fontes em entrevista à Folha de S. Paulo. A evolução do impasse resultou numa medida drástica. Em 11 de março, um decreto assinado pelo presidente Lula determinou intervenção nos hospitais federais do Andaraí, Cardoso Fontes, de Ipanema e da Lagoa e nos municipais Miguel Couto e Souza Aguiar. Além disso, hospitais de campanha da Aeronáutica e da Marinha foram montados na Barra e no Campo de Santana, respectivamente. A intervenção só foi suspensa em 21 de abril, quando o Supremo Tribunal Federal considerou a ação uma forma de violação do pacto federativo. No fim, a prefeitura deixou de administrar os hospitais federais e se comprometeu a expandir o programa Saúde da Família na cidade. O compromisso definido em setembro ajudou a acalmar os ânimos no setor por um tempo.
A intervenção federal não resolveu os problemas da saúde no Rio. Já no ano seguinte, um relatório da Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores apontava falta de material e equipamentos em diversas unidades da cidade. A precariedade fazia com que os médicos improvisassem na hora de atender os pacientes. No Salgado Filho e no Rocha Faria, tomografias computadorizadas eram substituídas por desenhos de papel e caneta em função da ausência de filmes para impressão. Fios de cobre comum eram usados na intubação de pacientes no Lourenço Jorge, já que o material indicado para esse tipo de procedimento não estava disponível. Um aparelho remendado com esparadrapo foi encontrado no hospital Cardoso Fontes. Internações em cadeiras e corredores e até colares cervicais feitos de papelão foram alguns dos achados inacreditáveis da comissão, que percorreu 14 hospitais durante três meses. Em entrevista ao Globo, os profissionais se queixavam do investimento insuficiente na rede de atendimento básico, que causava a sobrecarga dos hospitais. "Cerca de 75% dos mil pacientes que atendemos por dia não são realmente casos de emergência. Assim, não há equipamento que resista à demanda", afirmou na época um dos chefes da equipe de emergência do hospital Miguel Couto.
Os hospitais da capital não estavam preparados para a maior epidemia de dengue da história do Rio de Janeiro, registrada em 2008. A doença, que contaminou 3 mil pessoas em janeiro, fechou o mês de maio com mais de 160 mil ocorrências em todo o estado. Só na capital foram quase 90 mil casos. "Alguns vizinhos meus já morreram com dengue e eu estou com medo de também estar doente", afirmou Maria das Vitórias Ribeiro em entrevista dada à Folha de S.Paulo em março no hospital Salgado Filho. A gravidade da situação gerou uma mobilização conjunta dos governos federal, estadual e municipal para tentar resolver o problema. O Estado cedeu servidores e a União instalou na cidade hospitais de campanha. Aeronáutica, Exército e Marinha montaram espaços de atendimento em Jacarepaguá, na Vila Militar e em Nova Iguaçu, respectivamente. Uma estratégia parecida já havia sido usada na crise de 2005. Além disso, o governador Sérgio Cabral determinou que tendas de hidratação fossem montadas em diversos pontos da região metropolitana. A estrutura atendeu mais de 40 mil pessoas e foi desativada no fim de maio, quando a epidemia começou a arrefecer.
Três contêineres foram instalados no Hospital Federal de Bonsucesso em abril de 2011. A ideia era que as caixas metálicas abrigassem o setor de emergência do hospital durante uma obra prevista para durar nove meses. Suspeitas de irregularidades levaram o Ministério da Saúde a ordenar a suspensão dos trabalhos em março daquele ano, o que fez com que a solução provisória se tornasse permanente. Em junho de 2012, 74 pessoas disputavam aproximadamente 30 leitos disponíveis nos contêineres. Quem não conseguia espaço ficava deitado em macas ou precariamente acomodado em cadeiras no corredor. "Por falta de leitos nas enfermarias, há pacientes que também ficam internados na emergência", revelou em entrevista ao Globo um médico do hospital. A situação motivou uma vistoria do Conselho Regional de Medicina do Rio no local em outubro, que constatou superlotação. O dilema só foi resolvido no mês seguinte, quando o Ministério da Saúde se comprometeu com o Cremerj a respeitar o limite de ocupação da emergência, contratar novos funcionários e escolher uma nova empresa para tocar a reforma do local.