Mais de 400 pessoas lotaram o Theatro Municipal ontem (24/11), para pedir a anulação do decreto que extingue a Secretaria Estadual de Cultura. Durante a audiência pública sobrou também para a prefeitura, que não dá satisfações sobre edital
Fotos: Mídia Ninja
Mesmo sem apresentação de ópera ou balé, o Theatro Municipal ficou lotado ontem. Mais de 400 pessoas estiveram na audiência pública para debater a extinção da Secretaria Estadual de Cultura. Com o decreto 45.809, assinado pelo governador Luis Fernando Pezão, o órgão se funde com a pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação, a partir do dia 1º de janeiro de 2017. A justificativa é a crise financeira no estado, mas a medida é impopular entre artistas e gestores culturais, que estão apreensivos com os rumos no setor para o próximo ano. Deputados pretendem apresentar um projeto de Decreto Legislativo para suspender a decisão.
O palco do teatro foi ocupado pela secretária estadual de Cultura, Eva Rosental; Cleise Campos, do Conselho Estadual de Políticas Culturais; e membros da Comissão de Cultura da Alerj, os deputados estaduais Zaqueu Teixeira (PDT), Eliomar Coelho (PSOL), Luiz Paulo (PSDB), e Carlos Minc (sem partido). Na plateia, misturavam-se anônimos e artistas consagrados como Cassia Kis, Julia Lemmertz, Ana Botafogo e Amir Haddad. Muitas faixas davam o recado do público: “sem cultura é barbárie”.
“Estamos quase mendigando. É uma vergonha. O que sinto com este massacre é que é como matar um filho meu. Não resolvo um problema financeiro vendendo dois dos meus quatro filhos. É isto que o estado está fazendo”, criticou a atriz Cassia Kis.
Os artistas alegam que, com a decisão, acaba a garantia de aplicação de verbas destinadas à cultura e que isso pode gerar um efeito cascata nas gestões municipais, com o fim das secretarias de cultura municipais, principalmente no interior do Rio. Durante a audiência, muitos defenderam as políticas culturais como forma de combater a crescente violência no estado.
“Quem ataca a vida cultural o faz porque sabe que ali está o perigo. A escuridão interessa aos cegos que sabem andar por ela. Eles sabem que há valor ali. Na ditadura, eles fecharam os teatros”, disse Amir Haddad, arrancando aplausos.
Diante das inúmeras críticas ao decreto, os deputados presentes decidiram criar um projeto de Decreto Legislativo, que, se aprovado por maioria simples na Alerj, anulará o decreto do governador. O presidente da Comissão, Zaqueu Teixeira, propôs também, em paralelo, criar uma moção contra o decreto para ser votada pela assembleia.
Pouco mais de um ano após ser promulgado por Pezão, o Sistema Estadual de Cultura do Estado do Rio de Janeiro está diante de horizonte incerto. A Lei 7035/2015 destina-se a promover a formulação e gestão da política pública de cultura, dando um norte para a realização de conferências, fomentos, entre outras questões.
“Cadê o fomento?”
A audiência pública tratava da esfera estadual, mas a presidência e a prefeitura não escaparam de críticas. Entre palavras de ordem contra o governador, houve muitos gritos de “Fora Temer” protagonizados por membros do Ocupa Minc. O grupo ocupou prédios públicos federais assim que o atual presidente Michel Temer decidiu extinguir o Ministério da Cultura e fundi-lo com o Ministério da Educação. Após a pressão da sociedade, o executivo voltou atrás.
Durante as quase quatro horas de audiência pública, também houve gritos “cadê o fomento?”, referindo-se ao Programa de Fomento às Artes, da Prefeitura do Rio, aberto em junho, com encerramento de inscrições em agosto. A Secretaria Municipal de Cultura chegou a divulgar um resultado preliminar, em setembro, eliminando projetos que não se enquadraram nos pré-requisitos listados no edital, mas desde então não houve novas informações. Diante disto, um grupo formado por vários coletivos de artistas protocolou junto ao órgão e divulgou na internet uma carta aberta em protesto.
“Os funcionários não têm autorização para falar nada, mas uns dizem em off que acham que não vai sair. A gente já soube que eles querem fechar as contas até 30 de novembro”, conta Isabel Gomide, do coletivo Reage Artista, que assina a carta: “Imagina quantos artistas e técnicos dependem deste fomento? Como as pessoas vão pagar o seu aluguel?”.
A Secretaria Municipal de Cultura foi questionada sobre a data de divulgação dos projetos escolhidos e sobre a disponibilidade de verba para manter o programa de fomento e os motivos da demora na divulgação, mas não houve retorno a respeito.