Motoristas veteranos no aplicativo investem em pequenas frotas para alugar aos que não têm condições de comprar seu próprio carro
Foto: Fernanda Carvalho/ Fotos públicas
Dois anos após sua chegada ao Brasil, o aplicativo Uber, concorrente direto dos táxis, tornou-se atraente como investimento. Multiplicam-se os casos de usuários que mantêm pequenas frotas de carros alugados para aqueles que não têm um veículo próprio, mas que, com o crescimento do desemprego, enxergam no serviço uma chance de sair do vermelho. Vozerio conversou com alguns deles. Os entrevistados pediram para não ser identificados, pois estão sujeitos a perder o cadastro no aplicativo ao conceder entrevista sem autorização prévia. A Uber reconhece e considera normal a prática (confira nota da empresa no fim do texto).
De Angola para o Uber
I*, de 34 anos, tem quatro carros e pretende adquirir outros dois ainda este ano. Morador de Vila Isabel, ele cobra R$ 600 por semana para três motoristas, e dirige um veículo aos finais de semana, quando o retorno geralmente é maior. O cadastro fica em seu nome e os locatários entram como motoristas auxiliares. Descontado o aluguel, diz o proprietário, é possível ganhar, em média, R$ 700 por semana.
“Eles pagam e não reclamam. O sonho deles é comprar um carro, mas não está tão fácil”, conta ele, que recebe com frequência indicações de amigos para o trabalho: “Cerca de 15 pessoas ao mês me procuram querendo alugar porque estão desempregadas”.
I. decidiu investir no Uber após ser dispensado de um trabalho em Angola, em 2015. A primeira ideia era comprar duas autonomias de táxi, que segundo ele custavam R$ 250 mil, com o carro. Um amigo avisou sobre o aplicativo. Ele comprou um veículo para testar e percebeu que era rentável ao ganhar por volta de R$ 500 ao dia. Quando a Justiça concedeu, este ano, a liminar que garantia o serviço, ele teve segurança para comprar outros carros.
“Dou R$ 20 mil de entrada e financio o resto. Nos primeiros três meses, pago seguro e o kit gás. Depois, o carro se paga e dá lucro. Em um ano, você tira o dinheiro de entrada. Quando não for mais lucrativo, vendo os carros”, ensina.
O selfmade man do Uber
B., de 33 anos, também da Vila Isabel, é o que poderia ser chamado de selfmade man do Uber. Bacharel em direito, nunca exerceu a profissão. Sustentava a família viajando para aos Estados Unidos para comprar produtos e revender no Brasil. Com a chegada do aplicativo, ele decidiu tentar a sorte. Na época, havia poucos veículos e só estava disponível o Uber Black, o serviço mais caro. Faturando, em média, R$ 400 por dia, ele conseguiu comprar dois carros em um ano. “A gente chegou a alugar a R$ 1000 por semana e o motorista pagava rindo. Em três dias, no máximo, eles cobriam”, lembra.
Hoje, B. conta que é preciso trabalhar mais tempo para atingir o mesmo valor. Ainda assim, o serviço é rentável e desperta o desejo nos motoristas de ter um carro para chamar de seu. Ele revela que há certa rotatividade. “Os motoristas acham que estão dando muito dinheiro para nós, que trabalham muito e têm condições de comprar o carro deles. Só que não é só sentar e dirigir. Tem prestação, seguro, uma eventual batida, quebra do carro... A maioria não tem esse capital para girar e acaba se endividando”, diz o motorista, que chega a estocar peças quando encontra preços em conta.
Nem sempre quem delega a direção do seu carro tem o lucro como objetivo. L. alugava um carro por R$ 400 por semana. Sem recursos e renda comprovada, era muito difícil adquirir o seu próprio automóvel. A “liberdade” só veio com a ajuda da família: “O meu cunhado comprou o carro e eu pago a prestação, que é menor do que o aluguel. Consigo trabalhar mais tranquilo, passei a andar mais perto de casa e tenho mais tempo para a minha família”, finaliza o morador de São Gonçalo, que antes atravessava a Baía de Guanabara para dirigir no Rio.
Futuro incerto
O futuro do aplicativo no Rio ainda é rodeado de incertezas. Um projeto de lei da vereadora Vera Lins (PP) para proibir o uso de veículos particulares cadastrados em aplicativos tramita na Câmara de Vereadores e há um ano aguarda votação.
No seu programa de governo, o prefeito eleito Marcelo Crivella (PRB) manifestou a intenção de garantir que o Imposto Sobre Serviço (ISS) das viagens realizadas no Rio seja recolhido na cidade, e não em São Paulo, onde fica a sede da empresa Uber. Crivella propõe que os recursos resultantes dessa receita sejam usados na manutenção e modernização da frota de táxis até 2018. O documento foi retirado do site de Crivella após a vitória no segundo turno, mas está disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral.
Uber explica
Em nota enviada ao Vozerio, a assessoria de imprensa da Uber ressaltou que a prática de aluguel dos carros não infringe as normas da empresa: "Na Uber, depois do processo de ativação, a única barreira inicial de entrada para trabalhar como motorista é ter acesso a um carro. (...) Não se trata de ser proprietário de um veículo, mas sim de ter acesso a um carro e a sua documentação. Isso quer dizer que qualquer profissional com acesso a um veículo pode se cadastrar para dirigir na plataforma da Uber, desde que essa pessoa seja aprovada nos processos de verificação de
informações."
Segundo a Uber, impedir a participação dos que não possuem o próprio automóvel seria afastar os que mais podem se beneficiar do modelo da empresa ." Exatamente este motorista profissional, que não tem recursos para comprar um carro, é o que mais precisa de mais oportunidades para ganhar dinheiro. Proibir isso é retirar esta chance de quem quer ganhar dinheiro", continua a nota.