Estudo e filme demonstram como configuração de edifícios impacta vitalidade urbana e usos do espaço público. Modelo de torres isoladas gera cidade segregada e pouco diversa. [Foto: Frame do filme "Arquitetura e o Ballet da Rua", de Nina Tedesco (2015)]
Como as formas arquitetônicas influenciam os processos sociais e econômicos de uma cidade? O fato de um prédio ter grades ou muros altera, por exemplo, a quantidade de pedestres que passa pela rua? Quais são os efeitos da presença destes pedestres — ou de sua ausência? A configuração de cada edifício beneficia a quais atores sociais?
Motivado por perguntas como essas, o pesquisador Vinicius Netto, da Universidade Federal Fluminense (UFF), realizou um estudo inédito analisando as relações entre a morfologia das edificações e a vitalidade de 24 áreas do Rio selecionadas aleatoriamente, contabilizando 250 trechos de rua e 3.800 edifícios no total. Sua constatação, amparada por estudos dos colegas Julio Celso Vargas, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Renato de Saboya, da Federal de Santa Catarina (UFSC), em suas próprias cidades: as características arquitetônicas do espaço urbano influenciam diretamente a presença e a ausência de pedestres e de atividades sociais e econômicas nas metrópoles.
Segundo o estudo de Netto, o fator arquitetônico que mais influencia a vida urbana é a rarefação dos prédios: quanto maior a proximidade entre as construções — caso dos prédios colados um ao outro, ocupando toda a extensão do lote —, maior a vitalidade do espaço público. Quanto mais isolados os prédios — ou seja, o modelo do edifício livre no lote, das torres separadas entre si—, mais vazias as ruas, menos pedestres e menor a diversidade do espaço urbano.
Esta ausência de pedestres tem consequências graves, uma vez que a "caminhabilidade" é um importante critério usado por urbanistas para medir a qualidade de vida de uma cidade. A médio e longo prazo, a ausência de pedestres gera problemas urbanos graves, como poluição, insegurança, engarrafamentos e segregação social.
Além da rarefação, o estudo considera mais de 30 variáveis, como a quantidade de janelas e de portas dos edifícios ou o recuo deles em relação à calçada. Quanto maior a quantidade de portas e de janelas, mais pedestres, garante o texto; quanto mais afastado o edifício, menor o uso do espaço público.
Uma das principais contribuições do estudo é fornecer bases empíricas e estatísticas para experiências conhecidas pelo senso comum, como a sensação de acuamento do pedestre diante de um muro longo. "Todos nós sentimos que os muros impactam. Mas, quando vamos discutir isso em uma mesa de Plano Diretor, as nossas impressões como arquitetos não são consideradas, mas jogadas para a subjetividade. Queríamos capturar essas questões de modo que as pessoas não pudessem colocá-la em sua subjetividade. Está aqui, demonstrado em números, baseado em centenas de ruas. Os pedestres vão caindo: quanto mais muros, menos pedestres”, afirma Netto.
Os interesses pelas torres
Diante dessa constatação, cabe, então, a pergunta: por que, tendo em vista que edifícios contínuos favorecem mais a vida urbana, o modelo das torres prepondera atualmente? Netto aponta dois fatores como responsáveis, um, de cunho cultural e outro de caráter econômico.
Segundo o pesquisador, existe certo preconceito em relação a edifícios de tipo contínuo. Entre as razões, a proximidade e a presença frequente de lojas nos andares térreos. “Há pessoas que têm desejo de exclusividade e acham a que loja vai atrair muita gente. Acham que o edifício ficará mais inseguro, devido às pessoas que vão passar por ali”, explica o arquiteto.
Segundo ele, todavia, o medo, nesse caso específico, não tem razão de existir: o fato de haver comércios, de acordo com Netto, tende a tornar o espaço mais seguro, uma vez que pessoas circulando reduzem a criminalidade. “O medo ao estranho é uma reação intuitiva, mas temos que romper com ela. Na verdade, é preciso que haja mais estranhos, pois isso é uma forma de segurança natural”.
Se o morador prefere o modelo isolado pela suposta segurança, o construtor tem outro motivo: quanto mais numerosos os andares, mais baratos eles custam, uma vez que a estrutura já existente pode ser aproveitada. Mais do que isso, os andares superiores são mais valorizados do que os inferiores, o que incentiva a construção de edifícios muito altos.
Netto ressalta que o modelo de edifícios isolados se torna um problema maior quando essa lógica passa a ser dominante e moldar a cidade, uma vez que ela não leva nada em consideração exceto os lucros. “O problema todo é que esse critério não pode pautar sozinho a forma urbana. O desempenho urbano não está considerado nessa lógica, que não considera o impacto para a rua e a cidade”, afirma.
A dança da rua
O resultado da pesquisa e um curta-metragem nela baseado estão sendo apresentados em um ciclo de palestras realizado em nove capitais, chamado “Cidades do Amanhã”. No Rio, o evento aconteceu ontem (19/8) no auditório do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), no Catete, e contou com um debate sobre os dados apresentados.
Intitulado Arquitetura e o ballet da rua, o filme, dirigido por Nina Tedesco e com apoio cultural da UFF e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ), é uma versão poética do estudo de Netto, preferindo demonstrar as conclusões da pesquisa em imagens mais do que se concentrando em dados. A ideia, segundo o arquiteto, é ampliar seu diálogo com a sociedade.
"Raramente as pessoas se preocupam com espaço à volta, mas a condição da estrutura da cidade nos impacta o tempo todo. Por exemplo, as pessoas moram na Barra, que é um caso emblemático, e sentem dificuldades para caminhar, mas não entendem que a arquitetura é parte muito importante do problema. Ela é responsável por grande parte das dificuldades do cotidiano”, explica Netto.
Assista ao filme Arquitetura e o Ballet da Rua, realizado a partir do estudo de Vinicius Netto: