Pesquisadora do CESeC mostrou que o Brasil é o sexto país do mundo em homicídios e advertiu que país precisa enfrentar o problema como fez com a aids e a inflação: "Isso não está normal. A violência se tornou o modo de ser dos brasileiros."
Apesar da chuva, cerca de 50 pessoas se reuniram na noite desta segunda-feira 31/5) no restaurante Xodó de Realengo para debater com a pesquisadora Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), "O papel do cidadão na segurança pública". Organizado por moradores do bairro da Zona Oeste, o evento foi o primeiro de uma série de debates que pretende mobilizar a população local a refletir sobre questões do seu cotidiano. "Queremos que se torne uma prática de todos que têm interesse em melhorar a qualidade de vida no bairro", disse o economista Vitor Mihessen, um dos organizadores do evento.
Empresários locais, professores, policiais e estudantes encheram o bar para ouvir uma avaliação preocupante sobre o tema da segurança pública no Brasil. Há décadas o Brasil figura no ranking dos países campeões em homicídios, mas o problema até hoje não é prioridade para o governo federal e a sociedade. "O Brasil enfrentou a inflação, a fome, a aids e está deixando de enfrentar a violência. Isso não está normal. A violência se tornou o modo de ser dos brasileiros”, avaliou Silvia.
A iniciativa do encontro foi de Leonidas Cardoso, antigo morador do bairro. Colaborador de pesquisas no IETS, há anos ele frequenta o OsteRio, a série de debates organizada pelo Instituto no restaurante Osteria Dell’Angolo, em Ipanema. "Porque não trazer para Realengo?", perguntava-se. Leonidas somou esforços ao ex-vereador Rubens Andrade, e com apoio do IETS, da Associação Comercial local e do Lions Clube, o encontro reuniu empresários locais, professores, policiais e estudantes, enchendo o restaurante.
Silvia Ramos iniciou sua apresentação mostrando o lugar do Brasil no ranking mundial de homicídios: um triste sexto lugar, com uma taxa de 25,2 homicídios anuais por 100 mil habitantes. Em 2015, cerca de 60 mil homicídios foram praticados no país. Como explicar esses números, muito superiores aos de países em guerra? Em quatro anos de conflito armado entre os anos de 2004 e 2007, o Iraque teve um total de 76 mil mortos; no Afeganistão, no mesmo período, foram 12 mil vítimas.
O tamanho da população brasileira não justifica o índice: a China, com seu 1,3 bilhão de habitantes, teve taxa de 1 homicídio por 100 mil em 2010; nos Estados Unidos, onde vivem 300 milhões de pessoas, a taxa foi de 5,3. A pobreza também não explica os dados: na Índia, a taxa é de 3,4; em Bangladesh, de 2,7.
"Todos os países mais violentos do mundo ficam na América Latina e no Caribe. Esses números são resultados de uma cultura violenta e da ausência de políticas", observou Silvia, acrescentando que o problema afeta principalmente os jovens negros. Ao apresentar os números a estrangeiros, ela costuma ser recebida com incredulidade. A reação, contou Silvia, geralmente é algo como "Como assim, 60 mil homicídios por ano? Ué, e vocês deixam? Não fazem nada?".
Algumas políticas tem sido tentadas, lembrou a socióloga, inclusive no Rio de Janeiro. Em sua apresentação, Silvia mostrou que as políticas públicas podem, sim, fazer diferença sobre as estatísticas. Historicamente, o Rio tem taxas de homicídio superiores às do Brasil. Durante o governo Marcelo Alencar (1995-1999), a taxa chegou a altíssimos 61,9 — era a época da chamada gratificação faroeste, que previa bônus para policiais por atos de bravura (os quais, muitas vezes, envolviam a morte de suspeitos). No governo Sergio Cabral, após a implantação das UPPs, pela primeira vez a taxa de homicídios do Rio ficou abaixo da nacional, chegando a 28,3. "É possível estabelecer políticas de segurança que reduzam as mortes", concluiu a pesquisadora.
Silvia Ramos terminou sua apresentação com dados sobre a 14º AISP (Área Integrada de Segurança Pública), região que inclui o bairro de Realengo. A taxa de roubos na AISP é superior à do estado e à da capital do Rio de Janeiro. Já a taxa de homicídios (22 por 100 mil) é inferior à do estado (25,4) e superior à carioca (19,2).
Debate
Após a apresentação, os presentes fizeram reflexões não só sobre segurança pública, mas também sobre outras questões do bairro. "Na relação com o poder público, os cidadãos têm dois pés atrás. Abandonamos o papel de tomar conta do nosso quintal e não nos sentimos representados na escolha da principal figura do bairro, o administrador regional", disse o dentista Mario Almeida, da Câmara Comunitária. José Carlos Dab Dab, presidente da Associação Comercial de Realengo, citou exemplos de associações comerciais da Barra, Recreio e Jacarepaguá, que vêm discutindo parcerias com a Secretaria de Segurança para o uso de câmeras privadas de condomínios e empresas na vigilância dos bairros. "Acho que poderíamos discutir essa possibilidade", disse.
Claudio Dionisio, empresário da região, lembrou que "é preciso cuidar dos instrumentos da democracia e que a discussão sobre a reforma política tem de estar no coração da sociedade". Martha Nogueira, diretora do colégio Coronel Corsino do Amarante e do Centro de Memória de Realengo e Padre Miguel, contou sobre o esforço feito para criar uma cultura de paz na escola e reivindicou investimentos em cultura. "O pouco que tínhamos se acabou. O bairro precisa ter uma biblioteca, livraria, cinema, teatro, clube..."
Rubens Andrade, um dos organizadores do evento, observou que a segurança na região depende também do aumento do contingente policial. Em conversa com oficiais da PM, ele ouviu que o batalhão local deveria ter cerca de 1200 policiais — hoje, são 298. "Estamos falando do quarto bairro mais populoso do Rio. Realengo e Bangu, juntos, somam mais de 700 mil pessoas. Temos de falar da presença do Estado aqui", resumiu. Fechando a noite, o diretor executivo do IETS, Manuel Thedim, saudou o encontro: "Um sinal, um ponto de ônibus no local adequando, fazem uma grande diferença no cotidiano da população. É preciso discutir essas questões."
Veja a apresentação de Silvia Ramos no evento:
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